PENSAMENTO EGÍPCIO E PENSADOR GREGO: O ENSINO DE HISTÓRIA ANTIGA
COMO PRÁTICA DECOLONIAL
A “História
Antiga” como projeto de poder
Apresentaremos aqui encaminhamentos teórico-metodológicos que
possibilitem ao Ensino de História Antiga assumir um caráter decolonial.
Partimos do entendimento que o discurso da modernidade/colonialidade
produziu releituras da antiguidade que corroboraram no projeto de dominação do
Sul Global e que no pensar da Antiguidade à brasileira pode-se promover
uma maior percepção da geopolítica do conhecimento moderno e, ao invés de negar
os produtos culturais gestados na história do ocidente, permite-se a
apropriação dos mesmos. Esta leitura à contrapelo torna possível perceber os
artifícios utilizados na modernidade para modular o discurso acerca da
antiguidade em narrativas eurocentradas, e que estas só foram possíveis
graças aos processos de exploração colonial que permitiram às sociedades
europeias criar condições materiais para a gestação destes mesmos
conhecimentos. Para que esta reflexão possa originar uma práxis iremos nos ater
à velha, mas sempre presente, problemática do nascimento da filosofia, se o seu
berço de origem seria os Balcãs ou as margens do Nilo, Grécia ou Egípcio
respectivamente.
De antemão é necessário que entendamos que o que concebemos hoje
como História Antiga é fruto de uma divisão histórica que tinha como ímpeto
norteador dar luz a um projeto de poder, cujo objetivo era apagar a marginalidade
da Europa nos períodos históricos mais longínquos da história do Ocidente.
Com uma simples análise de um mapa do mediterrâneo antigo podemos expandir para
a antiguidade a análise que Chakrabarty (2000) faz da posição periférica da
Europa na modernidade, percebendo assim que a Grécia era diminuta e estava
marginalizada dos grandes processos políticos do mediterrâneo, levados a cabo
pelas Dinastias Persas em um primeiro momento, pela Monarquia Macedônica e seus
Sucessores, assim como por Roma no período do Império. Não seria errôneo afirmar
que a Grécia sempre teve atuação secundária, funcionando como apêndice, nos
processos geopolíticos daquele espaço geográfico. Por mais que os gregos
fundamentassem sua identidade dialeticamente com o outro, o ser
civilizado/grego como o espectro oposto do não ser civilizado/bárbaro, e a
coexistência fosse sempre negociável, o movimento de apagamento de
epistemologias outras não se tornou uma necessidade tão relevante até o
Renascimento Italiano, e de fato nem poderia ser efetuado na posição que a
Grécia se encontrava na antiguidade.
Ocorre que desde o século VII EC o império romano oriental cristão
tentara fazer frente ao mundo árabe muçulmano crescente, contudo ao final do
século XII EC os árabes tomaram o norte da África, enclausurando ainda mais os
reinos cristãos da Europa, visto que também haviam ocupavado todo o território
oriental do mediterrâneo que fazia fronteiras com o Império Bizantino, ou seja,
tinham conquistado o Marrocos, a Mesopotâmia, o Império Mongol do norte da
Índia, os reinos mercantis de Malaka, até a ilha Mindanao nas Filipinas. As
cruzadas foram tentativas, muitas vezes falhas, onde a Europa tentou subverter
sua situação de cultura periférica, secundária e ilhada pelo mar
do poder e da cultura muçulmana (DUSSEL, 1993, p. 43).
Após Constantinopla ter perdido sua proeminência política em 1453
EC, restara aos teóricos do mundo renascentista italiano contar a história de
uma maneira que escondesse a posição periférica da Europa durante a antiguidade
e principalmente durante o medievo, época em que se tornara apêndice do Mundo
Turco e Mundo Muçulmano. Neste sentido a cunhagem do termo Idade das Trevas para
o medievo é a resposta para um período de hegemonia e desenvolvimento
muçulmano, onde toda a cultura e desenvolvimento estava ligado ao mundo da Ásia
e da África, ou seja, o Mundo Árabe (DUSSEL, 2008, p. 157). Não se trata de um
termo que visa fazer frente à religiosidade medieval, bastaria que se olhasse
para os grandes expoentes da arte e cultura renascentista para perceber o forte
viés cristão da cultura renascentista. Tratou-se de um apagamento epistêmico
que visou retirar da história a origem helenístico-bizantina do mundo
muçulmano, onde criou-se a noção de Ocidente que nortearia a produção de
saberes históricos na modernidade, e que em alguns espaços persiste até hoje.
Segundo Enrique Dussel (1993, p. 42; 44) o esquema de narrativa
histórica do Ocidente (Quadro 1) é transformado em um esquema de narrativa
histórica linear (Quadro 2):
QUADRO 1
“A influência
grega não é direta na Europa latino-ocidental (passa por a e b).
A sequência c da Europa moderna não se liga à Grécia, nem tão pouco diretamente
com o mundo bizantino (flecha d), e menos ainda com o mundo latino
romano ocidental cristianizado” (DUSSEL, 1993, p. 42).
QUADRO 2
Esta noção de Ocidente, tão cara ao romantismo alemão, foi
essencial durante o período de consolidação da História Antiga como campo da História
científica. Contudo, para tal, seria necessário a adição de dois elementos
centrais: o eurocentrismo morfológico e o internalismo metodológico
(MORALES; SILVA, 2000, 126-130). A morfologia eurocêntrica diz respeito ao modo
como o grande contexto da “Idade Antiga” foi reformulado no século XIX em
função dos critérios europeus de civilização, privilegiando períodos e recortes
em função de possíveis contribuições, como uma somatória, em linha reta e sem
interferências externas, como se cada herança do passado fosse transmitida em
linha reta. Por sua vez, o internalismo metodológico diz respeito ao
pressuposto teleológico de análise historiográfica que dá ênfase aos movimentos
internos como modulares da experiência da civilização europeia moderna, onde se
busca “as raízes do Estado”, “as origens das nações”, a história dos impérios,
etnias e religiões, de maneira teleológica que legitimam conexões identitárias
entre os europeus e os habitantes da Europa Antiga, ou, aquilo que se imagina
Europa Antiga e seus habitantes.
Estas intenções pré-definidas no âmbito da História Antiga só
foram percebidas com o colapso dos impérios europeus e o colapso de suas
matrizes explicativas de denominação que aconteceu simultaneamente. Contudo, o
campo já estava, e está, marcado pelas escolhas pregressas, na medida que estas
escolhas implicaram não só em projetos epistêmicos ideológicos que permeiam o
campo historiográfico e parecem imperceptíveis a olho nu, e também implicou na
seleção de fontes e documentos. Esta seleção ocasionou, a partir do século XVI,
um esquecimento arbitrário que selecionou apenas os textos que coadunavam com
uma narrativa retilínea que ligava a Europa Moderna, ao Medievo Europeu e ao
passado Greco-Romano. Assim sendo muitos pesquisadores estiveram limitados a
trabalharem com documentos de um campo previamente delineado para reafirmar
condutas ideológicas.
Neste sentido faz-se necessário que retomemos os textos antigos na
fonte e permitamo-nos fazer leituras à brasileira, ou que ao menos leve em
conta como estas epistemologias eurocentradas tanto apagaram atores
sociais do passado quanto invisibilizam o lugar de enunciação do conhecimento
através de uma articulação das ciências com ambições geopolíticas no
sistema-mundo moderno/colonial a partir do século XVI (CASTRO-GÓMEZ, 2005, p.
22). A seguir refletiremos um pouco sobre a relação Grécia e Egito na
Antiguidade, em busca de um trato das fontes que possibilite um ensino que seja
atento ao protagonismo dos povos do Sul Global e evidencie que sua situação de
“subalternidade” é, antes de tudo, historicamente produzida.
Novos
caminhos para um mundo antigo
Desde a emergência dos novos debates historiográficos que enfocam
a epistemologia do Sul Global, como os estudos subalternos, teorias
decoloniais e pós-coloniais, o próprio Sul Global tornou-se foco dos
estudiosos do ocidente, que não é mais compreendido como sinônimo de Europa.
Enreda-se então um projeto que desvele visões eurocentradas da África e
consiga não apenas explicar o processo de marginalização do continente na
História Ocidental, como dê luz à uma História da África que tenha o próprio
continente como ponto de enunciação, questionando os movimentos de apropriação
e o epistemícidio (morte de cadeias epistemológicas) dos múltiplos
saberes africanos.
No campo da História esta necessidade de repensar a epistemologia
africana fez-se presente nos mais variados períodos históricos. No que diz
respeito à Antiguidade, contamos com trabalhos mais enérgicos e que afetados
pela perturbação cotidiana de quem o escreve produziram visões anacrônicas e
sem grande embasamento teórico-metodológico, como foi o caso de George G. M.
James que vivendo na pele os períodos de segregação racial norte americana
produziu em Stolen Legacy [Legado roubado] (1954) uma denúncia infundada
de que o motivo da perseguição dos filósofos em Atenas decorria do fato de que
os cidadãos atenienses detinham o entendimento de que os filósofos gregos
“estavam roubando algo que nunca tinham produzido” (JAMES, 2009, p. 8). Tomando
o texto de James, e não sua bela intenção de luta e resistência, somos levados
a arguir que esta hipótese é infundada na medida que uma rápida leitura do
grande rival dos filósofos, Aristófanes (450-385 AEC) e sua peça Nuvens, esclareceria
que o problema dos filósofos, na peça representados pela figura de Sócrates,
dizia respeito ao modo como estes “ensinavam a vencer falando tanto coisas
justas quanto injustas” (ARISTÓFANES, Nuvens, vv. 95) e dessa forma
corrompiam os jovens e consigo os valores tradicionais, ao menos aquilo que
Aristófanes julgou como valores necessários para recuperar Atenas da derrota na
Guerra entre os helenos (Peloponeso/431-386 AEC). Por mais que se trate do
apologeta de Sócrates, Platão também é capaz de esclarecer como a sociedade via
os filósofos em várias de suas obras, contudo a própria Apologia de Sócrates
acaba sendo um texto central para compreender esta questão.
Contudo, também pôde-se contar com trabalhos que se mostram
promissores no que diz respeito ao embasamento teórico-metodológico e cotejo de
fontes, como os três volumes de Black Athena [Atenas Negra] (1987; 1991;
2016) onde o especialista em história política chinesa Martín Bernal
debruçou-se sobre a tarefa de desvendar as raízes afro-asiáticas da civilização
clássica, e para isso recuou vários milênios além da Grécia Clássica em busca
de evidências arqueológicas e linguísticas.
Trabalhos como o de James e Bernal carregam o vício da busca por
um “mito fundador” onde, visando responder a questionamentos contemporâneos
como “quem criou o quê?” ou “a quem pertence o quê?”, que além de operar por
ferramentas epistemológicas que marcaram o pensamento moderno europeu, acabam
deslocando o alijamento do continente africano na historiografia ocidental
moderna para o passado. O que estamos querendo deixar claro é que as próprias
civilizações da antiguidade, tanto egípcios como gregos, questionaram-se sobre
o próprio passado e as relações travadas entres os povos ancestrais que
colonizaram o mediterrâneo e como este passada influenciara as relações
naqueles que hoje denominamos Período Clássico (VI-V AEC) e Helenístico (IV
AEC-II EC).
Podemos momentaneamente lembrar das palavras que Homero coloca nos
lábios de Aquiles na Ilíada, quando este se retira da guerra:
“Nem que me
oferecesse dez vezes mais ou vinte vezes mais
do que
agora oferece, e que a isso acrescentasse outros dons,
nem que
fossem os tesouros de Orcômeno, ou da egípcia
Tebas, onde
nas casas jaz a maior quantidade de riqueza;
Tebas com
seus cem portões, e de cada um arremetem
duzentos
guerreiros equipados com carros e cavalos!” [grifos nossos] (HOMERO, Ilíada,
IX, 379-384)
E também os
versos tecidos por Menelau na Odisseia, ao ouvir os elogios que Telêmaco
fizera ao filho de Nestor sobre o palácio:
“Andei
perdido por Chipre, pela Fenícia e pelo Egito;
cheguei aos
Etíopes, aos Erembos e aos Sidónios;
estive na
Líbia, onde os cordeiros nascem já com chifres,
pois lá as
ovelhas dão à luz os cordeiros três vezes por ano.
Amo e
partos nunca têm falta de queijo,
carne ou
doce leite, porque os rebanhos
dão leite
para a ordenha durante todo o ano.” (HOMERO, Odisseia, IV, 83-89)
Notemos que em ambas as passagens o Norte da África é destacado
por sua abundância em riqueza e dádivas da natureza, dádivas na medida que as
graças divinas que tornam a terra e seus animais encantados.
Este é o primeiro ponto que queremos ressaltar enquanto uma
prática decolonial do Ensino de História, a necessidade do acesso às
fontes para um conhecimento da questão em si, e não “sei por ouvir
dizer”. Este acesso possibilita um movimento de apropriação dos clássicos,
assim como de afronta aos mesmos, rompendo com o eurocentrismo morfológico e o internalismo
metodológico.
Antigas
respostas para problemas modernos
Também devemos levar em conta que, como foi comentado
anteriormente, já na Antiguidade havia o questionamento acerca de uma origem
comum entre gregos e egípcios, origem esta que não colocava os egípcios em
posição de dependência dos gregos, como poderia se imaginar em um primeiro
momento, mas colocava os egípcios como povos fundadores e os gregos derivando
destes. Esta é a reflexão proposta por Hecateu de Abdera (IV AEC) que aportou
no Egito nos primeiros anos do reinado de Ptolomeu I Lágida (367/6-283/2 AEC) e
provavelmente foi um dos intelectuais que compôs o Museu de Alexandria no
século III AEC.
A obra de Hecateu de Abdera marcou um retorno à etnografia de
Hérodoto, que foi misturada com as doutrinas do filósofo cético Pirro de Élis
(365-275 AEC), reformulando-a nos moldes de uma etnografia-filosófica, como
definiu François Hartog (2014, p. 88-89). Este retorno a Heródoto serviu para
resgatar um pan-egiptismo colonial, onde estes apareceriam como os
primeiros a usar a linguagem articulada e, em consequência, serem pioneiros no
ato de nomear divindades primordiais Ísis e Osíris, propiciando uma difusão da
vida em comunidade e a agricultura de alimentos mais refinados, que por sua vez
põe fim à alelofagia, canibalismo entre semelhantes (DIODORO DA SICILIA,
Biblioteca Histórica, I, 10-12; 20).
Dessa forma, Hecateu esclarece as dúvidas dos escritos de Martín
Bernal ao traçar uma etnografia que reforça a importância que Egito assumira no
mediterrâneo durante a antiguidade. Hecateu, por outro lado, também possibilita
contrapor a visão distorcida de George James e percebermos que já na
antiguidade se tinha o entendimento de que a filosofia derivara de uma corrente
de pensamento egípcia, podendo até ter sido inventada às margens do Nilo:
“A filosofia dos egípcios no tocante aos deuses e à justiça é
descrita da maneira seguinte. Dizem eles que o primeiro princípio seria a
matéria, da qual se derivam então os quatro elementos e surgiram finalmente
todos os seres vivos. O sol e a lua são deuses portadores dos nomes de Osíris e
Ísis respectivamente. Os egípcios usam o escaravelho, o dragão, o falcão e
outras criaturas como símbolos da divindade, de acordo com Maneto em sua Epítome
de Doutrinas Físicas e com Hecateu no primeiro livro de sua obra Da
Filosofia Egípcia. Eles também erigem estátuas e templos aos animais
sagrados porque não conhecem a forma verdadeira da divindade. Para eles o
universo foi criado, é perecível e esférico, as estrelas compõem-se de fogo
nelas; os egípcios dizem ainda que a lua entra em eclipse quando fica na sombra
da terra, que a alma sobrevive à morte e transmigra para os outros corpos, e
que a chuva decorre de alterações na atmosfera; segundo Hecateu e Aristagoras
os egípcios dão explicações naturais para todos os outros fenômenos. Eles
também instituíram leis tendo em vista justiça, atribuindo-as a Hermes, e
divinizaram os animais úteis aos homens, além de pretenderem ser os criadores
da geometria, da astronomia e da aritmética. São esses os dados referentes à
invenção da filosofia.” (JACOBY, Frag. 264, 7 = DIOGENES LAÉRCIO, Vidas e
doutrinas, I, 10)
Quando afirmamos que obras como a de James e Bernal traziam
consigo questionamentos que, em certa medida, já haviam sido feitos pelos
antigos do entorno mediterrânico, de maneira nenhuma visou-se inviabilizar
estes questionamentos, mas sim rever o modo como foram propostos. Ou seja,
buscar por questionar de maneira mais acertada, objetivo que deve estar
presente em cada proposta pedagógica.
Ao invés de nos questionarmos sobre o quem criou ou quem
roubou, perguntas que em certa medida se alinham ao internalismo metodológico
eurocêntrico, pretendemos nos ater à historicidade inerente ao objeto
aqui abordado, visto que entendemos como objetivo do Ensino de História fazer
com que a sociedade consiga pensar historicamente. Talvez a maneira certa de se
questionar a respeito da filosofia antiga seja perguntarmos: o que egípcios
e gregos entendiam por filosofia? Ou talvez, como os gregos se
apropriaram da filosofia egípcia?
Quando analisamos o fragmento citado de Hecateu de Abdera
percebemos que para os egípcios, como para os gregos, a filosofia se apresenta
como uma narrativa cosmogônica, ou seja, um conjunto de conhecimentos
ordenados que explicam o ordenamento do mundo [cosmos].
Contudo, difere no que diz respeito à doutrina. A filosofia
egípcia estava ligada ao pensamento religioso sacerdotal, fator que talvez
possa explicar a ausência de referência a filósofos egípcios nas fontes gregas,
pois estes eram vistos pelos gregos como sacerdotes. Assim sendo, a inovação
grega não é a invenção da filosofia, mas a invenção do filósofo, indivíduo
pensante que ordena uma doutrina e a transmite.
Percebemos então que ao despirmos a Antiguidade das pretensões
modernas da Europa novos pontos de vistas são possíveis. Um exemplo diz
respeito à velha dicotomia moderna que tende a separar mito e razão
que neste novo cenário do antigo não pode mais se sustentar, visto que mesmo
dotadas de contornos sacerdotais a filosofia egípcia foi capaz de analisar a
esfericidade da terra e explicar diversos fenômenos naturais, descobertas apagadas
da História da Ciência Moderna e que só foram resgatadas quando pronunciadas
por europeus.
Um processo de ensino que tenha por base esta práxis fornece à aluna,
ou aluno, o entendimento de que o conhecimento histórico também é
historicamente produzido, justificando não só o Ensino de História Antiga, mas
o Ensino de História em si. A História deixa de ser vista como um produto
encerrado e passa a ser vista como uma área do conhecimento que necessita de
constante atualização.
Por fim, através de uma pedagogia decolonial desloca-se de
um movimento reacionário de mera negação daquilo que foi rotulado como europeu,
e passa-se a rasgar estes rótulos em um processo de apropriação dos produtos
culturais de todo o globo através da “aprendizagem, desaprendizagem e
reaprendizagem” (ARIAS; PREDOZO CONEDO; ORTIZ OCAÑA, 2018, p. 86-87), pois,
queiramos nós ou não, a sucessão de eventos históricos que nos antecedeu fez com
que este passado se tornasse o nosso passado, negá-lo é negar consigo
possibilidades de futuro desprendidas da subjetividade colonial. Neste sentido
apropriar-se da antiguidade é resistir, (re)existir e (re)viver (Idem).
Referências
biográficas
Luiz Henrique
Silva Moreira, Licenciado em História pela Universidade Estadual do Paraná
(2015-2018) e Mestre em História Antiga pela Universidade Federal do Paraná
(2019-2021), nesta mesma instituição atualmente é aluno do Curso de Doutorado
em História (PPGHIS/UFPR).
Referências
bibliográficas
ARIAS,
María Isabel; PEDROZO CONEDO, Zaira Esther; ORTIZ OCAÑA, Alexander.
Decolonialidad de la educación: emergencia/urgencia de una pedagogía
decolonial. Santa Marta, Colombia: Editorial Unimagdalena, 2018.
ARISTÓFANES. As Nuvens.
Tradução conjunta coordenada por José Baracat Júnior. Cadernos de Tradução (Porto
Alegre), v. 32, 2013. 98 pag.
CASTRO-GÓMEZ, Santiago. La hybris
del punto cero: ciencia, raza e ilustración en la Nueva Granada (1750-1816). Bogotá: Editorial Pontificia Universidad Javerina, 2005.
CHAKRABARTY, Dipesh. Provincializing
Europe: Postcolonial Thought and Historical Difference. Princeton: Princeton University Press,
2000.
DIODORO
DA SICILIA. Biblioteca Histórica: Introducción General Libros I-II. Tradução
coordenada por Jesús Lens Tuero em conjunto de Jesús M. García González e
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DIOGENES
LAÉRTIOS. Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres. Tradução do grego,
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DUSSEL,
Enrique. Europa, modernidade y eurocentrismo. In: LANDER, Edgardo (org.). La
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CLACSO, 1993.
DUSSEL,
Enrique. Meditaciones anti-cartesianas: sobre el origen del anti-discurso
filosófico de la Modernidad. Tabula Rasa, Bogotá – Colombia, n.9, p. 153-197,
julho-dezembro 2008.
HARTOG,
François. Memória de Ulisses: Narrativas sobre a fronteira na Grécia antiga.
Tradução de Jacyntho Lins Brandão. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
HOMERO.
Ilíada. Tradução e prefácio de Frederico Lourenço, introdução e apêndices de
Peter Jones. São Paulo: Penguin – Companhia das Letras, s/d.
HOMERO.
Odisseia. Tradução, notas e comentários de Frederico Lourenço. Lisboa: Quetzal
Editores, 2018.
MORALES, Fabio
Augusto; SILVA, Uiran Gebara da. História Antiga e História Global: afluentes e
confluências. Revista Brasileira de História, São Paulo. v. 40, n. 83, p.
125-150, 2000.
Boa tarde Luiz Henrique,
ResponderExcluirSeu texto me impressionou muito, realmente interessantíssimo.
O tópico que mais me interessou foi como o senhor mesmo apontou perfeitamente em seu texto os questionamentos feitos por Bernal e James já tinham sido feitos pelos antigos povos e como o questionamento antigo foi em grande parte mais objetivo e acertado do que os estudos mais recentes, e chegando a uma conclusão de a inovação grega era a invenção do filosofo como individuo e não a invenção da filosofia. Meu questionamento então fica, entendendo os conceitos de eurocentrismo morfológico e internalismo metodológico e pensando mais recentemente em Bernal e James , e até mesmo muitos outros que vieram antes, que os estudos e conclusões deles não começaram a ter uma prática decolonial, em outras palavras porque a luta contra o projeto de dominação do Sul global demorou tantos anos para desenvolver uma posição mais alta nas discussões acadêmicas?
Tiago Rezende Lopes
Boa noite, Tiago.
ExcluirPrimeiro fico feliz que o texto tenha originado alguma reflexão e agradeço pelo comentário.
Em segundo lugar eu acho que é uma questão complexa pensarmos o "projeto de dominação do Sul Global", então eu irei me remeter ao campo de pesquisa em História Antiga. Acredito que agora que nós contamos com Professores dotados de autonomia e munidos de método crítico atuando em solo brasileiro, processo que parece estar sendo interrompido pela 'sabotagem das universidades'.
Mas o que eu quero dizer é que até umas duas gerações anteriores todos os pesquisadores em Antiguidade no Brasil eram formados em Universidades do Norte Global, e se tornavam devedores de uma historiografia anglo-saxã, americana ou europeia. Com a criação de núcleos de pesquisas centrados no Brasil acabamos por nos tornar um contraponto interessante, e necessário, para pesquisa de Antiguidade. Primeiro porque não somos, ao menos a maioria dos pesquisadores, devedores de historiografia nenhuma e tentamos nos portar sempre de maneira crítica. E segundo porque não só fazemos a crítica como estabelecemos relações com vários núcleos de pesquisa mundo afora, permitindo que em um mesmo núcleo de pesquisa consigamos fazer a crítica e o uso de historiografias de vários locais do globo, tanto do Norte quanto do Sul Global. Devemos salientar que a crítica à epistemologia do Norte Global não significa abandoná-la mas perceber os vícios de análise, que muitos vezes são frutos de um pensamento colonial encrustado na academia.
Assim sendo conseguimos pensar em um debate descolonial, que faz a crítica às estruturas coloniais da modernidade dentro da área de Antiguidade, percebendo nuances como o eurocentrismo morfológico e o internalismo metodológico. E também em um debate decolonial, ou seja, oposição política perante os projetos de dominação coloniais através de grilhões epistemológicos.
Espero que eu tenha sido claro. Encontro-me a disposição para esclarecer qualquer ponto.
Abraço,
Luiz Moreira
Boa Tarde, Luiz Henrique. Gostaria de parabenizá-lo pela exposição do texto, fez-me lembra do primeiro período do curso de historia, do qual, eu tive o prazer de ter como disciplina a História das Sociedades Africanas. Nesse estudo sobre as sociedades do continente africano, tivemos contato com diversos historiadores, como no caso do polímata Anta Diop, responsável por destruir o racismo científico ao provar que o Egito antigo era preto. Para você, Luiz, como podemos promover o “reparo” que essa história eurocêntrica nos deixou? Tendo em vista que falas como: “O Egito é o berço da civilização” ou “as ciências não são brancas”, ainda provocam uma forte resistência. Como vencer esse pensamento colonial?
ResponderExcluirAtt: Quemuel Pontes
Boa Tarde, Luiz Henrique. Gostaria de parabenizá-lo pela exposição do texto, fez-me lembra do primeiro período do curso de historia, do qual, eu tive o prazer de ter como disciplina a História das Sociedades Africanas. Nesse estudo sobre as sociedades do continente africano, tivemos contato com diversos historiadores, como no caso do polímata Anta Diop, responsável por destruir o racismo científico ao provar que o Egito antigo era preto. Para você, Luiz, como podemos promover o “reparo” que essa história eurocêntrica nos deixou? Tendo em vista que falas como: “O Egito é o berço da civilização” ou “as ciências não são brancas”, ainda provocam uma forte resistência. Como vencer esse pensamento colonial?
ResponderExcluirQuemuel Faustino Pontes
Boa noite, Quemuel.
ExcluirPrimeiro agradeço por ter dedicado um pouco de atenção ao meu texto e fico feliz que ele lhe tenha sido útil.
Esta é uma daquelas perguntas que devem ser sempre refeitas, pois é de tamanha atualidade e necessidade. Posso tentar esboçar uma resposta pensando uma separação, entre o que é a Antiguidade em si e o que os Modernos fizeram da Antiguidade. Esta atitude de descolonizar os saberes é útil para que possamos fazer esta separação e perceber a antiguidade através de suas próprias condições históricas, como: Egito, Persia e Macedônia como grandes potências do mediterrâneo e Grécia como periférica e isolada dos processos políticos, acho que quando olhamos um mapa e pensamos o tamanho de tais localidades já percebemos como a epistemologia colonial nos deslocou de uma análise concreta da antiguidade.
Em meu texto, mesmo de maneira tímida, eu abordei uma necessidade de nos apropriarmos dos antigos ao invés de recusá-los porque acho que assim conseguimos criticar o que há de grotesco, tanto na Antiguidade quanto na Modernidade, mas também para possamos fazer uso do que há de belo nesses mesmos períodos. À contragosto e por meio de um processo de epistemicídios, fomos legados à uma estrutura narrativa onde a Antiguidade se mostra como um passado que também nos diz respeito.
Acho que está apropriação, aliada a um debate constante do método, pois é neste que iremos mostrar evidências de que o homem se origina no continente africano e ali inicia o seu processo de migração, como também mostraremos fazendo ciência "tupiniquim", se me permite o uso da expressão, que estas não são brancas.
Espero ter sido claro em minhas colocações e, mais do que encerrar o debate, espero que elas lhe provoquem e lhe transformem em motor de promoção deste "reparo".
Abraço,
Luiz Moreira