ENSINO DE PRÉ-HISTÓRIA E AS AÇÕES DO MUSEU DE ARQUEOLOGIA DA UFMS
DURANTE A PANDEMIA DE COVID 19 – PARTE 2
Neste ano, 2021, o debate para a definição de museu elaborada pelo
ICOM (Conselho Internacional de Museus) está em revisão. Espelhos e
laboratórios do nosso contexto social, os museus e locais patrimoniais devem
estar atentos às principais características da sociedade do século XXI
definidas por Anico (2005, p. 84) como uma sociedade plural, multivocal,
fragmentada, consequência de um conjunto de fatores que englobam os processos
de descolonização, a criação de blocos supranacionais, o crescimento do turismo
e o desenvolvimento de um sistema econômico à escala global, entre outros, um
contexto que proporciona uma multiplicidade de possibilidades para a sua
adaptação, transformação e imaginação.
Cada desafio encontrado, incita aos profissionais da área de museus
a questionarem o que está sendo feito, assim se aproveita o “fechamento das
instituições” e se revê o que quer passar de informação, se revê a organização
e funcionamento das instituições e a repensa sobre a missão dos museus, que nem
sempre tem resultados óbvios e acompanha o fluxo da sociedade, gerando tensões
entre as referências tradicionais e as mudanças e adaptações da atualidade.
Falar da relação íntima entre ações culturais e educativas nas
instituições museológicas e a formação de público visitante nunca parece ser
demasiado. Em que pese a existência de farta publicação de artigos resultantes
de pesquisas nessa área, há sempre uma novidade em cada instituição, quer seja
em razão do tipo de acervo, quer seja por imaginação criativa das equipes ou
ainda por associar essa criatividade com maior quantidade de recursos
financeiros, humanos e materiais. O museu, o palco do espetáculo, tem como
protagonista seus artefatos que são instrumentos para a educação patrimonial.
Cabral (2002, p. 23) diz que se o patrimônio é terreno em construção, fruto de
eleição, campo de combate, espaço de relações humanas, é também “meio de
comunicação e campo de educação”, podendo e devendo ser objeto de ações
educativas que contribuam para a mudança social por “ensinar a pensar
criticamente, fornecendo os instrumentos básicos para o exercício da
cidadania”. Mas, como exibi-los/socializá-los se as pessoas não podem chegar
até eles?
É notório que o museu tem o papel de informar e educar por meio de
exposições permanentes, atividades recreativas, multimídias, teatro, vídeo e
laboratórios. É o espaço ideal para despertar a curiosidade, estimular a
reflexão e o debate, promover a socialização e os princípios da cidadania, e
colaborar para a sustentabilidade das transformações culturais. Mas, em tempos
de pandemia como cumprir sua função?
Em meados de março, museus de todo o Brasil, e do mundo fecharam
suas portas à medida que a implantação de quarentena avançava pelo planeta. Com
mostras, exposições e projetos programados para o ano todo, esses espaços
precisaram implantar planos emergenciais para continuar na ativa mesmo com as
portas fechadas. O imprevisto fez com que o acervo disponível na internet
aumentasse logo na sequência para continuar em funcionamento, mesmo que à
distância. O MuArq – UFMS que atendia diariamente turistas e
escolas/universidades públicas e privadas de Mato Grosso do Sul, também fechou
suas portas e teve que reinventar-se diante da situação. Assim neste artigo
apresentamos as atividades desenvolvidas nestas circunstâncias, principalmente,
com foco no Ensino de Pré-História para os estudantes de nível superior da UFMS
e para a formação continuada dos docentes da Rede Básica de Ensino de Mato
Grosso do Sul.
Breve trajetória do MuArq / UFMS e suas principais realizações no
campo do Ensino de Pré-História em 2020
O MuArq – Museu de Arqueologia
da UFMS – é uma UAP ligada ao gabinete da Pró-Reitoria de Extensão,
Cultura e Esporte – PROECE. Possui sua exposição de Longa Duração, no
Memorial da Cidadania e Cultura Apolônio de Carvalho no 1º andar montada no
local desde 19 de maio de 2008. A sua gestão se remete ao Prof. Dr. Gilson
Rodolfo Martins, fundador, depois sendo gerido pela Prof. Dra. Emília Kashimoto até 2019. Atualmente,
o museu é coordenado pela arqueóloga Lia
Raquel Toledo Brambilla Gasques (Técnica Lab. de
Arqueologia – UFMS)
e tendo o setor educativo coordenado pela antropóloga Laura Roseli Pael Duarte
(Técnica Lab. de Arqueologia – UFMS) e pelo Prof. Dr.
Carlos Eduardo da Costa Campos (docente – UFMS) como responsável pelo setor de
pesquisa e extensão.
Há também ações de Educação
Patrimonial (Arqueologia de MS) e uma reserva técnica com mais de 250 mil peças
de arqueologia, em boa parte Pré-Históricas, uma biblioteca e duas áreas lúdico
pedagógicas, todas encontradas neste espaço (MARTINS; KASHIMOTO, 2012). Em
virtude do contexto pandêmico, no ano de 2020, surgiram questões sobre como
tornar nosso material acessível para a comunidade. Desse modo apresentaremos
nosso relato de experiência sobre ações que foram desenvolvidas visando
assegurar a democratização das informações para todos.
Nossa primeira ação foi intensificar a coleta de dados para
alimentação na Base de dados Samburá (2020), que foi desenvolvido por Lia Raquel Toledo Brambilla Gasques e
Ricardo Brambilla Gasques e alimentado pelos dados obtidos
pelos projetos de nossa equipe. Afinal, tal suporte de informação pode ser
entendido como o registro de informações em materiais, com as ações, rotinas e
conhecimentos do homem criados desde seus primórdios. Esses suportes são
produzidos com o objetivo de transmitir os pensamentos, expressões do indivíduo
para as futuras gerações. Nesse contexto destaca-se a função relevante dos
vestígios arqueológicos no resgate da memória social e sua utilização no ensino
de Pré-História. Para esse fim, o MuArq criou um sistema de informação que
permite integrar todo o processo de pesquisa arqueológica, realizada pela
equipe do MuArq, obtida no Mato Grosso do Sul e a disponibilização destes dados
para escolas, academia, profissionais liberais e órgãos do governo municipal,
estadual e federal auxiliando os trabalhos e pesquisas destes e no ensino de
Pré-História. A Base de dados Samburá permitirá o registro, armazenamento e
exploração de informações arqueológicas, bem como seu cruzamento, proporcionará
uma direta conexão com a cartografia, a fim de facilitar a posterior
interpretação e publicação dos resultados. A visualização do cenário de
ocupação arqueológica em Mato Grosso do Sul, ficará cada vez mais visível e
para que este sistema de informação seja consistente. Como são muitos dados e
mais de 250 mil peças armazenadas na reserva técnica deste museu, a equipe, contando
com estagiários da Geografia e História, fizeram o tratamento, processamento e
cadastro de parte dos dados arqueológicos de nossa reserva, no ano de 2020.
Fig. 1 – Base de Dados Samburá
Pensando em socializar, treinar e capacitar discentes da UFMS, o MuArq através do plano do seu plano de biossegurança, selecionou 8 para essa atividade de produção de dados. Assim, a equipe coordenadora realizou uma capacitação, em 4 partes, com 2 horas de duração, totalizando 8 horas, sob o tema Introdução à Arqueologia (julho e agosto de 2020). Nesta formação foram repassados conhecimentos como definição de arqueologia, metodologias utilizadas, noção de legislação IPHAN para empreendimentos que exijam serviços arqueológicos e práticas de salvaguarda.
Fig. 2 - Minicurso introdução à Arqueologia – MS (2020)
Uma forma que encontramos para chegarmos na comunidade interessada em Pré-História e Arqueologia foi o uso das redes sociais e canais de comunicação / transmissão. Dessa maneira, a equipe do MuArq elaborou o canal do youtube denominado de Canal MuArq - Museu de Arqueologia da UFMS. Em tal plataforma foi possível dialogarmos com nossa comunidade universitária e da rede básica de MS. Dessa maneira, elaboramos o Conversas Museológicas. Nesse sentido, o primeiro versou sobre Pré-História e Antiguidade Grega, O que os mortos revelam sobre os Vivos – arqueologia funerária e o conhecimento das sociedades do passado com a Profa. Dra. Camila Diogo de Souza (UFF), em julho de 2020.
Fig. 3 – Banner do Conversas Museológicas com o arqueólogo
Zafenathy Carvalho de Paiva – IPHAN / MS.
Caminhando para a Pré-História de MS, outra ação que desenvolvemos
foi o episódio número dois do Conversas Museológicas, que trouxe como convidado
o Arqueólogo Fiscal do IPHAN - MS Zafenathy de Paiva. Este, além de apresentar
a comunidade acadêmica e público em geral a função do IPHAN (Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), diante dos licenciamentos
arqueológicos e descobertas do tema, fez um histórico da trajetória do
instituto na região e uma apresentação sobre os principais trabalhos de
arqueologia realizados na região de MS (bacias do Paraguai e Paraná). A
apresentação foi realizada com a ajuda de Power point e ao final, os alunos da
UFMS e outras instituições puderam fazer questionamentos.
Outro projeto que foi realizado entre a SEMED-CG
Secretária Municipal de Educação de Campo Grande - MS e o MuArq, no de 2020 foi
a gravação de um documentário sobre o Museu e sua exposição para os alunos do
ensino fundamental. A equipe gravou tais conteúdos em duas partes de 45 minutos
de duração, assim apresentando: o museu, a Arqueologia Pré-Histórica e de MS,
assim como os conteúdos de Educação Patrimonial que são praticados pela equipe
para os professores e discentes da rede básica de ensino. Tais documentários
serão exibidos a partir de 25 de maio de 2021, às sextas-feiras no canal da TV
REME, canal 4.2, e também disponibilizados no Youtube do MuArq – UFMS.
Fig.4. Gravação da equipe do MuArq para a TV REME
(outubro de 2020)
Ainda que os avanços tecnológicos permitam cada vez mais acesso a recursos como descrição por áudio, a difusão do Braile revolucionou a vida de quem não enxerga, pois abriu caminho para a inclusão e a compreensão do mundo. O MuArq pensando em deixar a exposição mais acessível, buscou elaborar folhas de explicação das vitrines em Braile, cujas 12 folhas, que foram impressas pela biblioteca Estadual Isaías Paim e escritas pelo professor do método, João Tavares, fornecem acessibilidade sobre nossas legendas para pessoas com deficiência visual. Além deste material, foi criada uma caixa com 5 peças lito-cerâmicas para que as pessoas possam ter uma experiência tátil, sentindo as marcas de lascamento e polimento das peças líticas e texturas das cerâmicas pré-históricas.
Fig. 5- Produção de textos em Braile explicando à Exposição –
Parceria com a Biblioteca Estadual Isaias Paim
Em suma, os museus são especialmente desafiados neste momento. Os
museus, e nisto incluímos o MuArq, ainda não desenvolveram o equivalente
virtual ao que fazem no mundo real, que é oferecer espaço para as pessoas se
reunirem na presença de perspectivas profundamente diferentes das suas.
Entretanto, esse desafio vem sendo superado a cada dia. A experiência de acesso
aos museus, segundo o IBRAM, Instituto Brasileiro de Museus, reflete em suas
ações e a bens culturais digitalizados e esta se tornou, mais que em outros
momentos, indispensável em 2020/21 devido ao momento pandêmico. Trata-se de um
processo, que atinge o setor de exposições cujo processo de assimilação de
novas práticas e usos foi intensamente acelerado pela pandemia. Com o
isolamento social, o trabalho dos museus se voltou para o mundo virtual, mas
com as portas fechadas.
Dessa forma, buscamos criar ações que possibilitassem, dentro do
plano de biossegurança da UFMS, levar o conhecimento científico sobre
Pré-História para toda comunidade interessada. Logo, apresentamos uma parcela
de nossas atividades e questões que foram vivenciadas em 2020, assim pautando o
Ensino, Pesquisa e Extensão como partes fundamentais para a democratização do
saber universitário.
Referências biográficas
Lia Raquel
Toledo Brambilla Gasques é mestra e doutoranda em Arqueologia Pré-Histórica
pela Universidade de Barcelona – Espanha. Coordenadora e Técnica lab. de
Arqueologia do MuArq / UFMS.
Laura Roseli Pael Duarte é mestra em antropologia pela UFGD e
doutoranda no Programa de Mestrado em Ensino de Ciências - Linha Educação
Ambiental, na UFMS. Responsável pelo setor educativo e Técnica lab. de
Arqueologia do MuArq / UFMS.
Obs.: O texto e as atividades, aqui apresentados, foram realizados
pelas autoras com o Prof. Dr. Carlos Eduardo da Costa Campos, docente da UFMS e
membro do Museu de Arqueologia da UFMS. Dessa forma, devido às limitações de
autores, tais textos foram divididos, porém integram a mesma equipe.
Referências bibliográficas
ANICO,
Marta. A pós-modernização da cultura: património e museus na contemporaneidade.
Horiz. antropol., Porto Alegre, v. 11, n. 23, pág. 71-86, junho de 2005.
Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010471832005000100005&lng=en&nrm=iso>.
acesso em 03 de março de 2021.
https://doi.org/10.1590/S0104-71832005000100005 .
CABRAL,
Magaly. Comunicação, educação e patrimônio cultural. Texto apresentado no Fórum
Estadual de Museus do RS. Inédito. Rio Grande, 2002.
MARTINS
G. KASHIMOTO E. 12.000 anos: Arqueologia do povoamento humano no nordeste de
Mato Grosso do Sul. Campo Grande: FCMS/Ed. Life, 2012.
ORIÁ,
R. Memória e ensino de História. In: BITTENCOURT, Circe. [Org.]. O saber
histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2004.
PACHECO,
M. L. A. F. et al. ―Concepção de estudantes de 8ª série de escolas públicas e
particulares sobre conceitos e aplicabilidades de arqueologia na conservação de
sítios arqueológicos de Mato Grosso do Sul‖. In: Anais VII Encontro de História
de Mato Grosso do Sul, Universidade Católica Dom Bosco, n.7, setembro, 2004.
Olá
ResponderExcluirInicialmente parabéns pelo trabalho. Pergunto se vocês cogitam a hipótese de se criar Visitas Virtuais?
Att. Luciano Marcos Curi
Olá! Agradeço e sim já estamos fazendo visitas virtuais. è só entrar no site: muarq.ufms.br e solicitar o pedido de agendamento, mandamos um email confirmando ou oferecendo uma nova data conforme a demanda.
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