OCUPANDO NOVOS
ESPAÇOS: PROPOSTAS DIDÁTICAS DO PROJETO VOCABULÁRIO POLÍTICO DA ANTIGUIDADE
Os desafios no processo de ensino,
em todas as áreas de conhecimento, expressam-se cotidianamente na realidade educacional
brasileira. Seja através da elaboração da estrutura curricular ou da vivência
do professor com os seus alunos, os obstáculos para a concretização de um
sistema educacional crítico e transformador, estão firmes nas bases da
sociedade e não poderão ser ultrapassados sem o trabalho conjunto, não apenas
das várias áreas de conhecimento, mas também dos espaços onde esse conhecimento
se manifesta.
Por esse motivo, compartilhar
experiências no campo educacional se faz tão necessário. É a partir das trocas,
das conexões criadas nesses momentos de interação que podemos romper com
práticas pedagógicas ineficazes, criar novas metodologias de ensino e
estruturar propostas didáticas interdisciplinares, essenciais para o
desenvolvimento da capacidade crítica e argumentativa dos alunos. A educação
não pode ser tratada de forma isolada em relação aos outros espaços sociais,
políticos, econômicos etc.
Diante dessas inquietações,
buscaremos apresentar nas linhas a seguir a nossa experiência, enquanto alunas
do curso de História – Licenciatura Plena (UFPB), no projeto PROLICEN Vocabulário
Político da Antiguidade: reflexões para o exercício da cidadania
(coordenado pela professora Priscilla Gontijo Leite, do curso de História da
UFPB e pelo professor Lucas Consolin Dezotti, do curso de Letras clássicas do
mesmo campus), nesse processo de pensar e repensar propostas didáticas para o
ensino de História Antiga no Ensino Fundamental e Ensino Médio.
A partir da integração dos cursos
de Letras Clássicas e História, o projeto se propõe a trabalhar com pesquisa
histórica, tradução de textos antigos, produção e aplicação de materiais
didáticos nas escolas, integrando os três pilares que sustentam a universidade
pública: o ensino, a pesquisa e a extensão, conectando, assim, o ambiente
universitário e o escolar.
O projeto busca, também, romper com
a ideia de que a História Antiga é um período atrasado ou superado e provocar
no aluno reflexões acerca de conceitos que estão presentes no seu cotidiano
escolar e na sua vida como sujeito social, a saber: monarquia, democracia,
tirania, república etc. Esses conceitos surgiram no mundo
antigo e passaram por muitas transformações até os dias de hoje, então, analisar
esse processo colabora para o reconhecimento da complexidade histórica da qual
também fazemos parte.
Para propor essas reflexões,
elaboramos 32 fichas sobre os pensadores da Antiguidade: Heródoto, Aristóteles
e Políbio, seus contextos históricos, e traduzimos trechos dessas fontes
textuais, com uma linguagem que pudesse facilitar o uso dessas fontes na
construção dos planejamentos de aula dos docentes. A organização de todo esse
material gerou um livro em formato e-book, que foi publicado pela editora do
CCTA-UFPB (LEITE, DEZOTTI, 2019);
disponível em http://www.ccta.ufpb.
br/editoraccta/contents/titulos/historia/vocabulario-politico-da-antiguidade-reflexoes-para-o-exercicio-da-cidadania).
A partir do livro, elaboramos
planos de aula para serem aplicados nas escolas de ensino básico. O primeiro
plano de aula intitulado: “Heródoto: formas de governo”, foi aplicado entre os
anos de 2018 e 2019, nas escolas da rede pública de ensino de João Pessoa, nos
seguintes níveis: 6º ano do Ensino Fundamental, 9º ano do Ensino Fundamental e
1ª série do Ensino Médio. A aula era composta pela explicação do contexto
histórico do autor; a apresentação das formas de governo: de um só (monarquia,
tirania), de poucos (aristocracia e oligarquia), de muitos (democracia);
leitura de trechos em grego; dinâmica e atividade de fixação. Foram
experiências muito ricas para a nossa formação, nos incentivando a elaborar
novos materiais e buscar um ensino de História Antiga mais dinâmico e
comprometido com reflexões da prática cidadã (CARMO, SILVA, 2019).
Com o objetivo de expandir o nosso
trabalho nas escolas do ensino básico, elaboramos novos planos de aula para serem
aplicados no ano de 2020. Ao todo, elaboramos 9 planos de aula sobre Heródoto,
Aristóteles e Políbio. Eles propõem aumentar a interdisciplinaridade das áreas
de conhecimento, um dos objetivos principais do nosso projeto. Assim, buscamos
dialogar também com as disciplinas de Letras e Filosofia.
Em virtude da pandemia da
COVID-2019, que acometeu o mundo em 2020, tivemos que pausar o nosso plano de
aplicação do material em espaços para além da universidade. O fechamento das
escolas tornou inviável a nossa intervenção presencial e exigiu de todos os
professores novas abordagens de ensino, agora ocupando o espaço virtual. Esse
processo de adaptação e adequação ainda é bastante desafiador, tendo em vista a
falta de preparo do Governo Federal e do Ministério da Educação para propor
capacitações e auxiliar os discentes e docentes nesse novo cenário.
Com isso, passamos rapidamente a
nos questionar: como usar a tecnologia a nosso favor no processo de
aprendizagem? Como o ensino à distância dificulta o diálogo, a troca, as
relações antes feitas na sala de aula? Pensar nessas questões é, também, pensar
o papel da educação e a formação do “ser professor” (BRANDÃO, 2002). O ensino
virtual é capaz de expandir as redes de troca, conectando as pessoas de
diferentes lugares, no entanto, rompe com o contato direto com outros sujeitos,
outras vivências, outros afetos. Outro ponto fundamental, principalmente para
os discentes das escolas públicas, é a falta de acesso a essa rede que nos
conecta (internet, celular, tablet, computador etc.) para participar de uma
aula remota. Isso reforça uma educação hierarquizada, que evidencia os abismos
sociais do nosso país.
Apesar dessas problemáticas,
encontramos nesse espaço virtual a possibilidade de pensar novas estratégias de
ensino, especificamente de História Antiga. Então, em junho de 2020 lançamos o
site do projeto (disponível em http://www.cchla.ufpb.br/laborhis/vocabulario-politico/),
visando reunir o livro, as propostas didáticas e os futuros trabalhos do
projeto. Ele está vinculado ao site do Laborhis, que é um espaço de estudo e de
produção de conhecimento dos alunos de História, da UFPB (disponível em http://www.cchla.ufpb.br/laborhis/).
No site do Vocabulário Político da
Antiguidade, é possível encontrar a história do projeto, o nosso contato, o
link para o livro, os 9 planos de aula disponíveis para download (que contam
com uma apresentação de slides, um arquivo para auxiliar o trabalho com o
grego, um texto informativo, uma atividade de fixação e dinâmicas para
trabalhar o conteúdo) e, além disso, quizzes sobre essas propostas didáticas.
Até então são 4 quizzes, com as
temáticas: Heródoto: formas de governo; Aristóteles: formas de governo;
Políbio: os seis regimes políticos; Democracia ateniense: princípios e
instituições. Eles estão disponíveis para download em formato PNG, visando
facilitar o compartilhamento desse material nas redes sociais e proporcionar
uma atividade interativa sobre a Antiguidade.
Com objetivo de ampliar ainda mais
os canais digitais do projeto e a visibilidade desses quizzes, criamos um canal
interativo no Telegram (disponível em https://t.me/vocpoitico)
para compartilhar as perguntas e gerar automaticamente as respostas para o
jogador. Nesse canal, é possível se inscrever, acompanhar as novidades do
projeto e o lançamento de novas questões.
Todo o compartilhamento dessas
propostas está sendo feito internamente, nas nossas redes sociais e entre
espaços de ensino parceiro do projeto nos anos anteriores. Recentemente
lançamos um vídeo pelo canal do YouTube do Departamento de História – UFPB
(disponível em https://www.youtube.com/watch?v=amuyuVKK5GU&t=11s),
em que sintetizamos todas as atividades desenvolvidas nesses 5 anos de projeto.
Acreditamos que a integração dos espaços de conhecimento e a horizontalização
dos debates sobre metodologias de ensino, podem contribuir muito com o objetivo
de construir uma educação crítica, integrada, questionadora e emancipadora.
Um outro aspecto que temos
trabalhado é em relação ao diálogo com o grego durante essas aulas. Durante as
aplicações do plano de aula de Heródoto nas turmas, a aluna de Letras Clássicas
lia na sala trechos em grego previamente selecionados. Queremos que o trabalho
com essa língua seja possível para todos que utilizem esse conteúdo, então,
além da recomendação do uso da plataforma Ugarit (disponível em http://www.ugarit.ialigner.com/), que
possibilita o alinhamento entre a tradução e o texto original,
sendo possível identificar cada palavra ao seu respectivo significado,
planejamos gravar a leitura de todos os trechos em grego dos planos de aula e
deixar disponível para download também no site. Esse é um trabalho contínuo,
uma vez que o ambiente virtual é dinâmico e está sempre em transformação,
apresentando novas ferramentas possíveis de integração às propostas didáticas.
O trabalho desenvolvido pelo
projeto, seja presencialmente ou virtualmente, busca dialogar com a Antiguidade
de forma criativa, que possa ir além do livro didático e da estrutura
curricular estabelecida. Até porque, o ensino de História Antiga só está
previsto na BNCC no 6° ano do Ensino Fundamental, sendo função do professor
articular os conceitos em outros níveis de ensino e em outros conteúdos.
Além disso, os assuntos
obrigatórios reiteram o pensamento linear da História e expõe a Antiguidade de
maneira superficial, cheia de estereótipos que reforçam a tradição eurocêntrica (LEITE, 2020, p. 103). Pensar a História Antiga
de maneira crítica, permite que o aluno reflita sobre os processos históricos
de maneira integrada, analisando a coexistência de sociedades, culturas,
ideias. Isso evidencia, também, a possibilidade de articulação com o presente,
as suas transformações e os novos papéis sociais que se construíram no decorrer
do tempo e que devem ser sempre questionados.
O uso de
tecnologias pode facilitar essa troca durante o ensino-aprendizagem. Essa é uma
questão fundamental para o ensino de História como um todo: é necessário ocupar
novos espaços, dialogar com a realidade dos alunos e pensar essa vivência na
sala de aula igualmente fluida e viva como é o ensino, a educação. Dessa forma,
as propostas do projeto Vocabulário Político da Antiguidade, buscam projetar o
mundo antigo nessas novas possibilidades, dialogando com temporalidades,
sujeitos históricos que precisam reconhecer sempre a sua cidadania ativa no
processo de construção de uma sociedade mais justa e democrática.
O mundo antigo é rico não
apenas por sua herança cultural, mas também pela capacidade de nos levar a
refletir sobre muitos conceitos que fazem parte do nosso cotidiano e questionar
as estruturas vigentes. Colocar o aluno em contato com a História Antiga é de
fundamental importância para criar pontes entre o passado e o presente,
levando-o a pensar a sociedade da qual faz parte.
A elaboração do material
didático, partiu da necessidade de pensar o ensino básico e promover o diálogo
entre o conhecimento histórico acadêmico e o conhecimento histórico escolar,
que não deveriam, de forma alguma, estarem desconectados. O material produzido
visa auxiliar os docentes e discentes nesse processo de aprendizagem integrado,
especialmente no que diz respeito à compreensão do vocabulário político da
antiguidade. Além desses conceitos políticos, como democracia, monarquia,
oligarquia, o material traz consigo o contexto histórico, biografia dos
autores estudados e trechos de obras de autores antigos, possibilitando o
contato diretamente com a fonte histórica. Assim, as fichas e as traduções, que
foram compiladas no livro es formato e-book, fornecem um material completo para
o professor, sempre pautado no trabalho interdisciplinar.
A produção e aplicação dos
planos de aula, possibilitou uma profícua experiência e crescimento humano e profissional
para nós, alunas da graduação de História. Vivenciar a realidade da sala de
aula, com suas possibilidades e desafios, foi um incentivo a buscar melhorias
para o projeto e reafirmou o nosso compromisso com a educação. Percebemos o
quanto é necessário o diálogo entre a universidade e a escola, especialmente no
que diz respeito ao processo de elaboração da grade curricular e das propostas
didáticas dos conteúdos estabelecidos.
No cenário da pandemia da
COVID-19, precisamos rever os nossos planos de ação. Novos desafios são
colocados não só ao ensino de História, mas à educação de modo geral. Por isso,
o desenvolvimento dos 9 planos de aula e das atividades em outros canais
digitais, foi muito importante para facilitar a acessibilidade ao nosso material
e apresentar para mais pessoas o trabalho que estamos desenvolvendo. Assim, o
site, o canal do Telegram, os quizzes, as sugestões de outras plataformas,
colaboram com essa tentativa de pensar em novos planos de ação, dialogando
sempre com o cenário que estamos inseridos.
O uso de tecnologias
possibilita a conexão entre pessoas de diversas realidades, localidades,
visões, e isso é fundamental no ensino de História. Precisamos, porém, ter em
vista as dificuldades e desigualdades do sistema educacional brasileiro e lutar
para que essa educação integrada e conectada, seja possível para todos, até
porque, ela é um direito Constitucional que, infelizmente, vem sendo
negligenciado nos últimos anos. Acreditamos que o estudo da Antiguidade é
essencial para promover uma prática educativa crítica, horizontal e promotora
da cidadania, situando os sujeitos no seu tempo.
Estamos em um processo de
contínua transformação e, por isso, precisamos ocupar novos espaços, pensando
em novas experiências na sala de aula, seja ela virtual ou não, e buscando
novas metodologias para o ensino de História.
Referências biográficas
Laryssa Alves da Silva, estudante de História – Licenciatura
Plena, pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Millena Luzia Carvalho do Carmo, estudante de História –
Licenciatura Plena, pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Referências bibliográficas
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O trabalho de ensinar. In: BRANDÃO,
Carlos Rodrigues. A educação popular na escola cidadã. Petrópolis, Rio de
Janeiro: Vozes, 2002, pp. 185-229.
LEITE, Priscilla Gontijo; DEZOTTI, Lucas Consolin (orgs.)
Vocabulário político da Antiguidade: reflexões para o exercício da cidadania.
João Pessoa: Editora do CCTA, 2019.
LEITE, Priscilla Gontijo. O ensino de História Antiga no Brasil:
percepções a partir das propostas da BNCC. In: SOUZA NETO, José Maria Gomes de;
MOERBECK, Guilherme; BIRRO, Renan M. (Org.). Antigas Leituras. Ensino de
História. Recife: EDUPE, 2020, p. 93-114.
SILVA, Laryssa Alves da; CARMO, Millena Luzia Carvalho do. O
ensino dos regimes políticos em História Antiga: uma proposta a partir do
projeto Prolicen. In: ASSUMPÇÃO, Luis F. Bantim de; BUENO, André; CAMPOS,
Carlos E.; CREMA, Everton; NETO, José Maria de Sousa. Aprendendo História:
Experiências. União da Vitória: Sobre Ontens, 2019.
Olá Laryssa e Millena, parabéns pelo texto.
ResponderExcluirPrimeiro, também se faz necessário parabenizar a proposta de vocês que articula pesquisa, ensino e extensão num diálogo entre academia e escola como lócus privilegiado da construção do conhecimento que podem e devem ser reconhecidas como tal. Mais que necessário esse olhar e esse inquietamento para a produção de materiais voltados à educação básica, alinhando diferentes formatos. Considerando o êxito, que imagino terem alcançado durante a execução do projeto, vocês pretendem estender a ideia para outros personagens históricos da Antiguidade que possuem ligação direta/indireta com essa temática do vocabulário político ou outros assuntos que estejam dentro desse período histórico? Obrigada.
Talita Seniuk
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirOlá, Talita Seniuk!
ResponderExcluirAgradecemos, desde já, o interesse pelo nosso trabalho.
Pretendemos sim trabalhar com outros personagens e outras temáticas que nos possibilitem a ampliação do projeto até mesmo para o trabalho conjunto com outras disciplinas (como filosofia e literatura). Estamos trabalhando agora com Cícero, produzindo fichas sobre o autor, sua obra (Da República), conceito de cidadania romana, etc. Pretendemos, como plano de trabalho para 2021, pensar melhor o Período Helenístico e esperamos desenvolver a partir daí novos materiais e propostas didáticas.
Millena Luzia Carvalho do Carmo
Laryssa Alves da Silva
Obrigada Millena e Laryssa. Espero que obtenham êxito na nova empreita e que isso possa ser apresentado, mais uma vez, à comunidade acadêmica através de um artigo! =)
ExcluirTalita Seniuk