Laryssa Alves da Silva e Millena Luzia Carvalho do Carmo

 

OCUPANDO NOVOS ESPAÇOS: PROPOSTAS DIDÁTICAS DO PROJETO VOCABULÁRIO POLÍTICO DA ANTIGUIDADE


 

Os desafios no processo de ensino, em todas as áreas de conhecimento, expressam-se cotidianamente na realidade educacional brasileira. Seja através da elaboração da estrutura curricular ou da vivência do professor com os seus alunos, os obstáculos para a concretização de um sistema educacional crítico e transformador, estão firmes nas bases da sociedade e não poderão ser ultrapassados sem o trabalho conjunto, não apenas das várias áreas de conhecimento, mas também dos espaços onde esse conhecimento se manifesta.

 

Por esse motivo, compartilhar experiências no campo educacional se faz tão necessário. É a partir das trocas, das conexões criadas nesses momentos de interação que podemos romper com práticas pedagógicas ineficazes, criar novas metodologias de ensino e estruturar propostas didáticas interdisciplinares, essenciais para o desenvolvimento da capacidade crítica e argumentativa dos alunos. A educação não pode ser tratada de forma isolada em relação aos outros espaços sociais, políticos, econômicos etc.

 

Diante dessas inquietações, buscaremos apresentar nas linhas a seguir a nossa experiência, enquanto alunas do curso de História – Licenciatura Plena (UFPB), no projeto PROLICEN Vocabulário Político da Antiguidade: reflexões para o exercício da cidadania (coordenado pela professora Priscilla Gontijo Leite, do curso de História da UFPB e pelo professor Lucas Consolin Dezotti, do curso de Letras clássicas do mesmo campus), nesse processo de pensar e repensar propostas didáticas para o ensino de História Antiga no Ensino Fundamental e Ensino Médio.

 

A partir da integração dos cursos de Letras Clássicas e História, o projeto se propõe a trabalhar com pesquisa histórica, tradução de textos antigos, produção e aplicação de materiais didáticos nas escolas, integrando os três pilares que sustentam a universidade pública: o ensino, a pesquisa e a extensão, conectando, assim, o ambiente universitário e o escolar.

 

O projeto busca, também, romper com a ideia de que a História Antiga é um período atrasado ou superado e provocar no aluno reflexões acerca de conceitos que estão presentes no seu cotidiano escolar e na sua vida como sujeito social, a saber: monarquia, democracia, tirania, república etc. Esses conceitos surgiram no mundo antigo e passaram por muitas transformações até os dias de hoje, então, analisar esse processo colabora para o reconhecimento da complexidade histórica da qual também fazemos parte.

 

Para propor essas reflexões, elaboramos 32 fichas sobre os pensadores da Antiguidade: Heródoto, Aristóteles e Políbio, seus contextos históricos, e traduzimos trechos dessas fontes textuais, com uma linguagem que pudesse facilitar o uso dessas fontes na construção dos planejamentos de aula dos docentes. A organização de todo esse material gerou um livro em formato e-book, que foi publicado pela editora do CCTA-UFPB (LEITE, DEZOTTI, 2019);

disponível em http://www.ccta.ufpb.
br/editoraccta/contents/titulos/historia/vocabulario-politico-da-antiguidade-reflexoes-para-o-exercicio-da-cidadania).

 

A partir do livro, elaboramos planos de aula para serem aplicados nas escolas de ensino básico. O primeiro plano de aula intitulado: “Heródoto: formas de governo”, foi aplicado entre os anos de 2018 e 2019, nas escolas da rede pública de ensino de João Pessoa, nos seguintes níveis: 6º ano do Ensino Fundamental, 9º ano do Ensino Fundamental e 1ª série do Ensino Médio. A aula era composta pela explicação do contexto histórico do autor; a apresentação das formas de governo: de um só (monarquia, tirania), de poucos (aristocracia e oligarquia), de muitos (democracia); leitura de trechos em grego; dinâmica e atividade de fixação. Foram experiências muito ricas para a nossa formação, nos incentivando a elaborar novos materiais e buscar um ensino de História Antiga mais dinâmico e comprometido com reflexões da prática cidadã (CARMO, SILVA, 2019).

 

Com o objetivo de expandir o nosso trabalho nas escolas do ensino básico, elaboramos novos planos de aula para serem aplicados no ano de 2020. Ao todo, elaboramos 9 planos de aula sobre Heródoto, Aristóteles e Políbio. Eles propõem aumentar a interdisciplinaridade das áreas de conhecimento, um dos objetivos principais do nosso projeto. Assim, buscamos dialogar também com as disciplinas de Letras e Filosofia.

 

Em virtude da pandemia da COVID-2019, que acometeu o mundo em 2020, tivemos que pausar o nosso plano de aplicação do material em espaços para além da universidade. O fechamento das escolas tornou inviável a nossa intervenção presencial e exigiu de todos os professores novas abordagens de ensino, agora ocupando o espaço virtual. Esse processo de adaptação e adequação ainda é bastante desafiador, tendo em vista a falta de preparo do Governo Federal e do Ministério da Educação para propor capacitações e auxiliar os discentes e docentes nesse novo cenário.

 

Com isso, passamos rapidamente a nos questionar: como usar a tecnologia a nosso favor no processo de aprendizagem? Como o ensino à distância dificulta o diálogo, a troca, as relações antes feitas na sala de aula? Pensar nessas questões é, também, pensar o papel da educação e a formação do “ser professor” (BRANDÃO, 2002). O ensino virtual é capaz de expandir as redes de troca, conectando as pessoas de diferentes lugares, no entanto, rompe com o contato direto com outros sujeitos, outras vivências, outros afetos. Outro ponto fundamental, principalmente para os discentes das escolas públicas, é a falta de acesso a essa rede que nos conecta (internet, celular, tablet, computador etc.) para participar de uma aula remota. Isso reforça uma educação hierarquizada, que evidencia os abismos sociais do nosso país.

 

Apesar dessas problemáticas, encontramos nesse espaço virtual a possibilidade de pensar novas estratégias de ensino, especificamente de História Antiga. Então, em junho de 2020 lançamos o site do projeto (disponível em http://www.cchla.ufpb.br/laborhis/vocabulario-politico/), visando reunir o livro, as propostas didáticas e os futuros trabalhos do projeto. Ele está vinculado ao site do Laborhis, que é um espaço de estudo e de produção de conhecimento dos alunos de História, da UFPB (disponível em http://www.cchla.ufpb.br/laborhis/).

 

No site do Vocabulário Político da Antiguidade, é possível encontrar a história do projeto, o nosso contato, o link para o livro, os 9 planos de aula disponíveis para download (que contam com uma apresentação de slides, um arquivo para auxiliar o trabalho com o grego, um texto informativo, uma atividade de fixação e dinâmicas para trabalhar o conteúdo) e, além disso, quizzes sobre essas propostas didáticas.

 

Até então são 4 quizzes, com as temáticas: Heródoto: formas de governo; Aristóteles: formas de governo; Políbio: os seis regimes políticos; Democracia ateniense: princípios e instituições. Eles estão disponíveis para download em formato PNG, visando facilitar o compartilhamento desse material nas redes sociais e proporcionar uma atividade interativa sobre a Antiguidade.

 

Com objetivo de ampliar ainda mais os canais digitais do projeto e a visibilidade desses quizzes, criamos um canal interativo no Telegram (disponível em https://t.me/vocpoitico) para compartilhar as perguntas e gerar automaticamente as respostas para o jogador. Nesse canal, é possível se inscrever, acompanhar as novidades do projeto e o lançamento de novas questões.

 

Todo o compartilhamento dessas propostas está sendo feito internamente, nas nossas redes sociais e entre espaços de ensino parceiro do projeto nos anos anteriores. Recentemente lançamos um vídeo pelo canal do YouTube do Departamento de História – UFPB (disponível em https://www.youtube.com/watch?v=amuyuVKK5GU&t=11s), em que sintetizamos todas as atividades desenvolvidas nesses 5 anos de projeto. Acreditamos que a integração dos espaços de conhecimento e a horizontalização dos debates sobre metodologias de ensino, podem contribuir muito com o objetivo de construir uma educação crítica, integrada, questionadora e emancipadora.

 

Um outro aspecto que temos trabalhado é em relação ao diálogo com o grego durante essas aulas. Durante as aplicações do plano de aula de Heródoto nas turmas, a aluna de Letras Clássicas lia na sala trechos em grego previamente selecionados. Queremos que o trabalho com essa língua seja possível para todos que utilizem esse conteúdo, então, além da recomendação do uso da plataforma Ugarit (disponível em http://www.ugarit.ialigner.com/), que possibilita o alinhamento entre a tradução e o texto original, sendo possível identificar cada palavra ao seu respectivo significado, planejamos gravar a leitura de todos os trechos em grego dos planos de aula e deixar disponível para download também no site. Esse é um trabalho contínuo, uma vez que o ambiente virtual é dinâmico e está sempre em transformação, apresentando novas ferramentas possíveis de integração às propostas didáticas.

 

O trabalho desenvolvido pelo projeto, seja presencialmente ou virtualmente, busca dialogar com a Antiguidade de forma criativa, que possa ir além do livro didático e da estrutura curricular estabelecida. Até porque, o ensino de História Antiga só está previsto na BNCC no 6° ano do Ensino Fundamental, sendo função do professor articular os conceitos em outros níveis de ensino e em outros conteúdos.

 

Além disso, os assuntos obrigatórios reiteram o pensamento linear da História e expõe a Antiguidade de maneira superficial, cheia de estereótipos que reforçam a tradição eurocêntrica (LEITE, 2020, p. 103). Pensar a História Antiga de maneira crítica, permite que o aluno reflita sobre os processos históricos de maneira integrada, analisando a coexistência de sociedades, culturas, ideias. Isso evidencia, também, a possibilidade de articulação com o presente, as suas transformações e os novos papéis sociais que se construíram no decorrer do tempo e que devem ser sempre questionados.

 

O uso de tecnologias pode facilitar essa troca durante o ensino-aprendizagem. Essa é uma questão fundamental para o ensino de História como um todo: é necessário ocupar novos espaços, dialogar com a realidade dos alunos e pensar essa vivência na sala de aula igualmente fluida e viva como é o ensino, a educação. Dessa forma, as propostas do projeto Vocabulário Político da Antiguidade, buscam projetar o mundo antigo nessas novas possibilidades, dialogando com temporalidades, sujeitos históricos que precisam reconhecer sempre a sua cidadania ativa no processo de construção de uma sociedade mais justa e democrática.

 

O mundo antigo é rico não apenas por sua herança cultural, mas também pela capacidade de nos levar a refletir sobre muitos conceitos que fazem parte do nosso cotidiano e questionar as estruturas vigentes. Colocar o aluno em contato com a História Antiga é de fundamental importância para criar pontes entre o passado e o presente, levando-o a pensar a sociedade da qual faz parte.

 

A elaboração do material didático, partiu da necessidade de pensar o ensino básico e promover o diálogo entre o conhecimento histórico acadêmico e o conhecimento histórico escolar, que não deveriam, de forma alguma, estarem desconectados. O material produzido visa auxiliar os docentes e discentes nesse processo de aprendizagem integrado, especialmente no que diz respeito à compreensão do vocabulário político da antiguidade. Além desses conceitos políticos, como democracia, monarquia, oligarquia, o material traz consigo o contexto histórico, biografia dos autores estudados e trechos de obras de autores antigos, possibilitando o contato diretamente com a fonte histórica. Assim, as fichas e as traduções, que foram compiladas no livro es formato e-book, fornecem um material completo para o professor, sempre pautado no trabalho interdisciplinar.

 

A produção e aplicação dos planos de aula, possibilitou uma profícua experiência e crescimento humano e profissional para nós, alunas da graduação de História. Vivenciar a realidade da sala de aula, com suas possibilidades e desafios, foi um incentivo a buscar melhorias para o projeto e reafirmou o nosso compromisso com a educação. Percebemos o quanto é necessário o diálogo entre a universidade e a escola, especialmente no que diz respeito ao processo de elaboração da grade curricular e das propostas didáticas dos conteúdos estabelecidos.

 

No cenário da pandemia da COVID-19, precisamos rever os nossos planos de ação. Novos desafios são colocados não só ao ensino de História, mas à educação de modo geral. Por isso, o desenvolvimento dos 9 planos de aula e das atividades em outros canais digitais, foi muito importante para facilitar a acessibilidade ao nosso material e apresentar para mais pessoas o trabalho que estamos desenvolvendo. Assim, o site, o canal do Telegram, os quizzes, as sugestões de outras plataformas, colaboram com essa tentativa de pensar em novos planos de ação, dialogando sempre com o cenário que estamos inseridos.

 

O uso de tecnologias possibilita a conexão entre pessoas de diversas realidades, localidades, visões, e isso é fundamental no ensino de História. Precisamos, porém, ter em vista as dificuldades e desigualdades do sistema educacional brasileiro e lutar para que essa educação integrada e conectada, seja possível para todos, até porque, ela é um direito Constitucional que, infelizmente, vem sendo negligenciado nos últimos anos. Acreditamos que o estudo da Antiguidade é essencial para promover uma prática educativa crítica, horizontal e promotora da cidadania, situando os sujeitos no seu tempo.

 

Estamos em um processo de contínua transformação e, por isso, precisamos ocupar novos espaços, pensando em novas experiências na sala de aula, seja ela virtual ou não, e buscando novas metodologias para o ensino de História.

 

Referências biográficas

Laryssa Alves da Silva, estudante de História – Licenciatura Plena, pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

 

Millena Luzia Carvalho do Carmo, estudante de História – Licenciatura Plena, pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

 

Referências bibliográficas

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O trabalho de ensinar. In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A educação popular na escola cidadã. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2002, pp. 185-229.

 

LEITE, Priscilla Gontijo; DEZOTTI, Lucas Consolin (orgs.) Vocabulário político da Antiguidade: reflexões para o exercício da cidadania. João Pessoa: Editora do CCTA, 2019.

 

LEITE, Priscilla Gontijo. O ensino de História Antiga no Brasil: percepções a partir das propostas da BNCC. In: SOUZA NETO, José Maria Gomes de; MOERBECK, Guilherme; BIRRO, Renan M. (Org.). Antigas Leituras. Ensino de História. Recife: EDUPE, 2020, p. 93-114.

 

SILVA, Laryssa Alves da; CARMO, Millena Luzia Carvalho do. O ensino dos regimes políticos em História Antiga: uma proposta a partir do projeto Prolicen. In: ASSUMPÇÃO, Luis F. Bantim de; BUENO, André; CAMPOS, Carlos E.; CREMA, Everton; NETO, José Maria de Sousa. Aprendendo História: Experiências. União da Vitória: Sobre Ontens, 2019.

4 comentários:

  1. Olá Laryssa e Millena, parabéns pelo texto.
    Primeiro, também se faz necessário parabenizar a proposta de vocês que articula pesquisa, ensino e extensão num diálogo entre academia e escola como lócus privilegiado da construção do conhecimento que podem e devem ser reconhecidas como tal. Mais que necessário esse olhar e esse inquietamento para a produção de materiais voltados à educação básica, alinhando diferentes formatos. Considerando o êxito, que imagino terem alcançado durante a execução do projeto, vocês pretendem estender a ideia para outros personagens históricos da Antiguidade que possuem ligação direta/indireta com essa temática do vocabulário político ou outros assuntos que estejam dentro desse período histórico? Obrigada.
    Talita Seniuk

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Olá, Talita Seniuk!
    Agradecemos, desde já, o interesse pelo nosso trabalho.
    Pretendemos sim trabalhar com outros personagens e outras temáticas que nos possibilitem a ampliação do projeto até mesmo para o trabalho conjunto com outras disciplinas (como filosofia e literatura). Estamos trabalhando agora com Cícero, produzindo fichas sobre o autor, sua obra (Da República), conceito de cidadania romana, etc. Pretendemos, como plano de trabalho para 2021, pensar melhor o Período Helenístico e esperamos desenvolver a partir daí novos materiais e propostas didáticas.
    Millena Luzia Carvalho do Carmo
    Laryssa Alves da Silva

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    1. Obrigada Millena e Laryssa. Espero que obtenham êxito na nova empreita e que isso possa ser apresentado, mais uma vez, à comunidade acadêmica através de um artigo! =)
      Talita Seniuk

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