A PAIDEIA
GREGA DIANTE DO HERÓI HOMÉRICO
As epopeias homéricas surgiram como veículos portadores de um sistema
de valores, uma moral heroica cuja influência se perpetuou durante diferentes
épocas. Na literatura, o modelo homérico é, de fato, o maior e mais importante
arquétipo na representação do herói. A Ilíada, não obstante, ser a
representação mítico-artística da luta dos gregos no desejo coletivo de ampliar
seus domínios, ressalta os valores individuais, criando assim personagens com
características peculiares. No transcorrer da narrativa, encontramos uma
variedade de tipos e, em cada um, podemos reconhecer um aspecto ou uma
aspiração da vida humana, refletindo valores caros ao processo de formação do
homem grego. Entende-se que a representação do mundo heroico nas grandes obras
refletia o mundo aristocrático da Grécia primitiva, que era a grande audiência
das narrativas épicas. Esses poemas eram recitados para um auditório de homens
ricos e poderosos, “capazes de ir à guerra armados da cabeça aos pés: capacete,
couraça, grevas” (VIDAL-NAQUET, 2002). Nesse sentido, Aguiar e Silva corrobora
que:
“O conceito de herói está estreitamente ligado aos códigos
culturais, éticos e ideológicos, dominantes numa determinada época histórica e
numa determinada sociedade. Em dados contextos socioculturais, o escritor cria
os seus heróis na aceitação perfeita daqueles códigos: o herói espelha os
ideais de uma comunidade ou de uma classe social, encarnando os padrões morais
e ideológicos que essa comunidade ou classe valorizam.” (AGUIAR E SILVA, 1990,
p. 258)
Entende-se, desse modo, que o herói é um elemento criado segundo
padrões concebidos por uma determinada tradição, cujos preceitos são
estabelecidos por uma elite dominante. Assim, não causa estranheza o fato de
que, na literatura antiga, ao homem comum nunca era atribuído o papel de herói;
aliás, durante muito tempo, esse aspecto elitista marcou profundamente a
tradição literária. O fato de os heróis oriundos dos mitos gregos serem
semideuses parece uma forma profícua de legitimar a força, as ações e a superioridade
de uma classe privilegiada. Desse modo, as epopeias homéricas, com suas
personagens tão variadas, contribuíram para formação de um protótipo na
representação do herói na literatura ocidental; a essência do heroísmo,
características, ações, motivações foram imitadas pelos gêneros canônicos à
exaustão.
Jaeger (1995, p. 19) ainda elucida que “A história da educação
grega coincide substancialmente com a da literatura”, uma vez que faltam fontes
escritas dos séculos anteriores à idade clássica “além do que nos resta dos
seus poemas”. Os gregos viam neles a base de sua educação e o ponto de partida
de todas as suas reflexões e traziam, além disso, valores culturais, regras
transmitidas de geração a geração. Além do mais, o poeta figurava para os gregos
como um educador do seu povo, numa concepção familiar e de grande importância
para a formação do homem. É preciso certa cautela ao considerar a Ilíada
e Odisseia como testemunho autêntico de um período na história dos
gregos, mas, com as devidas ressalvas, são os poemas homéricos que indicam um
caminho para o conhecimento literário e histórico de uma época. No que concerne
ao processo de formação do homem grego, os estudos realizados se pautam, não
poderia ser diferente, nos registros deixados justamente pelos poemas
homéricos. Assim revela o próprio historiador já citado “a história determinou
que só isto ficasse da existência inteira do Homem. Não podemos traçar o
processo de formação dos Gregos daquele tempo senão a partir do ideal de Homem
que forjaram” (JAEGER, 1995).
A educação grega era alicerçada no mais alto modelo de conduta
considerado para a época, pautado em um ideal fixo de um tipo fixo,
considerando que todo herói deva cumprir o papel que a sociedade espera e exige
dele. Também Jaeger (1995, p. 25) destaca: “Homero acentua, com maior nitidez,
que toda a educação tem o seu ponto de partida na formação de um tipo humano
nobre, o qual nasce do cultivo das qualidades próprias dos senhores e dos
heróis”. Desse modo, diz ainda Jaeger, a formação do homem grego realizava-se
por meio da “criação de um tipo ideal intimamente coerente e claramente
definido”, processo no qual “a formação não é possível sem se oferecer ao
espírito uma imagem tal como ele deve ser”. Assim sendo, tem-se em Homero um
exemplo modelar daquilo que o Homem deveria ser, o papel que deveria ocupar
segundo as expectativas da sociedade grega. Por outro lado, também, é
importante ressaltar que esse papel estava intimamente ligado ao acúmulo de
riquezas. Como é possível observar, também a partir de Jaeger, os poemas
homéricos privilegiam a representação de personagens que designam os nobres
guerreiros aristocráticos:
“A nobreza é a fonte do processo espiritual pelo qual nasce e se
desenvolve a formação de uma nação. A história da formação grega – o
aparecimento da personalidade nacional helênica, tão importante para o mundo
inteiro – começa no mundo aristocrático da Grécia primitiva com o nascimento de
um ideal definido de homem superior, ao qual aspira o escol da raça.” (JAEGER,
1995, p.25)
Segundo Mossé (1984), a Ilíada e a Odisseia surgiram
como veículos portadores de um sistema de valores, uma moral heroica cuja
influência irá continuar a se fazer sentir durante diferentes épocas. Na
literatura, o modelo homérico é, de fato, o maior e mais importante arquétipo
na representação do herói: o herói homérico tornou-se o herói de todos os
tempos. Assim, Homero legou à literatura ocidental uma estética heroica, que
será imitada à exaustão até o momento em que o ideal heroico passe a ser
desacreditado e as forças criadoras da poesia épica acabem por se esgotar. Os
princípios correspondentes ao espírito épico são de uma aristocracia guerreira
para a qual as virtudes essenciais são aquelas que possam revelar-se em
combate, visto ser aí que o guerreiro pode ganhar a kléos, a glória que
o tornará imortal (MOSSÉ, 1984).
As epopeias homéricas revelam um homem político, com vistas na
coletividade. Assim, é possível entender o processo pelo qual o herói épico,
apesar de pautar sua vida na busca de uma fama imorredoura, trava as suas lutas
sempre com vistas a um resultado que culminará em interesses coletivos, a
glória só será alcançada mediante o reconhecimento da comunidade. O herói
coletivo é notadamente conhecido e reconhecido pelo o que acontece externamente
do que por aquilo que se passa no seu mundo interior. Esse herói primordial,
forjado por Homero, contempla o mundo através de um olhar objetivo, pois,
embora almeje uma glória pessoal, sabe que só a alcançará através do
reconhecimento de seus pares, por isso as suas ações devem primar para o bem
coletivo; constitui-se no ideal grego de estrita subordinação do individual à
totalidade. Todavia, como aponta Jaeger, o tema essencial da história da
formação grega é o conceito de arete, “a palavra ‘virtude’, na sua
acepção não atenuada pelo uso puramente moral, e como expressão do mais alto
ideal cavaleiresco unido a uma conduta cortês e distinta e ao heroísmo
guerreiro...” (JAEGER, 1995, p. 25). Convém sublinhar que, sendo atributo
próprio da nobreza, ao “homem comum” não é facultado esse modelo de arete, “senhorio
e arete estavam inseparavelmente unidos”. Nesse sentido, a Ilíada
é o testemunho mais contundente da elevada consciência educadora da nobreza
grega primitiva.
“Os heróis da Ilíada, que se revelam no seu gosto pela
guerra e na sua aspiração à honra como autênticos representantes da sua classe,
são, todavia, quanto ao resto da sua conduta, acima de tudo grandes senhores,
com todas as suas excelências, mas também com todas as suas imprescindíveis
debilidades. É impossível imaginá-los vivendo em paz: pertencem ao campo de
batalha. Fora dele só os vemos nas pausas do combate, nas suas refeições, nos
seus sacrifícios, nos seus conselhos.” (JAEGER, 1995, p. 41)
Contudo, manifesta-se, na Odisseia, uma nobreza que primava
pela vida sedentária, pela posse de bens e pela tradição, valores puramente
humanos, sempre relacionados à nobreza. Ulisses não busca mais a glória na
guerra, mas a vida na paz. Isso porque o poema reflete uma época em que as
descrições de combates sangrentos, a luta, a força na guerra não agradavam
mais, tratava-se de uma época mais contemplativa e dada às satisfações da paz.
Por outro lado, há, na Ilíada, guiado pelo espírito heroico da arete,
um herói sobre-humano que, sempre presente no campo de batalha, é um nobre
guerreiro a almejar, muitas vezes, a honra e a glória e sobre cuja vida ou
relações familiares pouco se sabe. Na Odisseia, contempla-se um quadro
voltado para o lado humano da vida do herói e suas relações familiares,
pautando sempre numa espécie de elogio ao estilo de vida da nobreza e primando
por suas tradições; os combates são travados pelos discursos sagazes e pelos
caminhos da inteligência estratégica.
É possível afirmar que os heróis homéricos são heróis da alta
classe, eles representam, pois, o ideal de vida alicerçado na nobreza. Os
poemas homéricos tornaram-se por muito tempo um modelo de vida e de conduta
para uma aristocracia. Convém mencionar que, na Grécia primitiva, Homero, por
excelência, era a fonte de transmissão de exemplos de um ideal de conduta
nobre, pois, para os gregos, era inconcebível um ideal de formação eficaz sem
que se oferecesse ao indivíduo um modelo, ou seja, “uma imagem do homem tal
como ele deve ser”, afirma Jaeger. Se na Grécia primitiva, Homero era
considerado modelo para educação e formação do homem grego, na literatura, o
herói por ele forjado representa o primeiro arquétipo na construção de personagens
heroicos, o que resulta em uma tradição literária que apresenta um herói também
nascido da elite. Nesse contexto, não causa estranheza que as primeiras
manifestações literárias reflitam heróis forjados por e para os nobres; a
própria história da formação grega começa no mundo aristocrático da Grécia
primitiva. Esse ideal de formação era justamente o que diferenciava o homem
nobre, regido por normas de conduta; do homem comum, alheio a essas normas.
Nesse sentido, a Ilíada é o testemunho da elevada consciência educadora
da nobreza grega primitiva, representando as tradições vivas da aristocracia de
seu tempo.
“A Ilíada fala-nos de um mundo situado num tempo em que
domina exclusivamente o espírito heroico da Arete, e corporifica este
ideal em todos os seus heróis. Junta numa unidade ideal indissolúvel a imagem
tradicional dos antigos heróis, transmitida pelas sagas e incorporada aos
cantos, e as tradições vivas da aristocracia do seu tempo. O valente é sempre o
nobre, o homem de posição.” (JAEGER, 1995, p. 40)
Na Odisseia, contemplam-se também nobres senhores e seus
palácios, porém com anseios distintos da alta estirpe que compõe a Ilíada.
A nobreza se distingue não mais por sua armadura reluzente, sua força e coragem
no combate sangrento ou pela busca desenfreada pela glória imorredoura. A Odisseia
expõe uma estirpe que deseja usufruir a vida na paz dos seus palácios, pois a
“vida sedentária, a posse de bens e a tradição são os pressupostos da cultura
da nobreza”, que prezava, sobretudo, as maneiras e condutas distintas,
inerentes aos nobres, uma vez que “não se pode imaginar uma educação e formação
consciente fora da classe privilegiada” (JAEGER, 1995). Um traço que revela
considerável distinção entre os poemas homéricos reside no fato de que, na Odisseia,
aparecem várias personagens que não pertencem à nobreza, ainda assim,
desempenham um papel importante na trajetória de Odisseu: o porqueiro, o
boieiro, a ama, o cão. O herói, inclusive, faz aliança com o porqueiro e o
boieiro para tomar de volta o seu reino contra os pretendentes de Penélope.
Todos os homens possuem um elemento que os aproxima: a
mortalidade, embora isso não signifique que todos os homens sejam iguais, um
abismo social os separa na história e, consequentemente, na literatura. Vidal-Naquet
(2002) lembra que os gregos, inventores da democracia, conheciam o ideal de
igualdade, mas esta era reservada, “mesmo em Atenas, apenas aos cidadãos do
sexo masculino” pertencentes à nobreza, “isto é, a uma minoria”. Embora, na Odisseia,
seja atribuída certa evidência a personagens do cotidiano, que não pertencem ao
grupo dos aristoi, elas surgem como pretexto para o elogio do herói,
todos os servos de Ulisses não se cansam de contar as façanhas do seu senhor e
mencionar todas as suas qualidades e, ainda, rememorar a vida feliz do tempo em
que Ulisses reinava. Na Odisseia, parece haver, de fato, um sentimento
de humanidade para com as pessoas comuns “e até para com mendigos”, não se
evidencia, pois, “a orgulhosa e aguda separação entre os nobres e os homens do
povo”, como na Ilíada. Existe uma patriarcal proximidade entre senhores
e servos; contudo, o verdadeiro herói só pode ser concebido em uma classe
nobre.
Ulisses chega mesmo a declarar que haverá entre eles uma relação
familiar, em virtude do grande auxílio que lhe ofereceram no embate contra seus
inimigos: “Darei a cada um de vós uma mulher, bens e uma boa casa perto da
minha; eu vos tratarei como parentes e irmãos de Telêmaco” (Odisseia,
XXI, 214-215). É importante lembrar que, na Odisseia, as personagens,
inclusive o herói, destacam-se não necessariamente por virtudes heroicas, mas,
sobretudo, pelas virtudes espirituais e sociais. Dispensar um tratamento mais
digno para com as pessoas é o que se esperaria de um herói com qualidades mais humanas.
De fato, é notória a benevolência dele para com aqueles de condição inferior,
desde que demonstrem a devida fidelidade e submissão ao senhorio dos nobres.
Convém lembrar que as servas infiéis, que se haviam deitado com os pretendentes
de Penélope, tiveram um destino funesto, sendo enforcadas no pátio do palácio
sob a supervisão do próprio Telêmaco.
No mundo épico, costuma-se suprimir “tudo quanto é baixo,
desprezível e falho de nobreza”, desse modo, só os elementos que acentuam a
excelência dos heróis são rememorados por Homero, seja pela proeminência dada à
genealogia ou ainda pelo enfático uso de epítetos decorativos, tornando-se
parte da convenção do estilo épico. Como já se expôs, um dos modos de enfatizar
a procedência elitizada do herói é, principalmente, ressaltar a sua ascendência
nobre. Assim, os heróis homéricos possuem uma genealogia que remonta de forma
direta ou indireta a um deus (deusa) – a maioria dos heróis descende mais ou
menos do próprio Zeus – e ainda o coloca na posição de herdeiro de algum reino
na terra. Fazer menção à procedência tornou-se parte da tradição homérica, como
se observou, na Ilíada, em que até mesmo o cetro utilizado pelos reis
tem genealogia particular.
Mas o herói não é reconhecido como tal apenas quando dá ciência de
sua genealogia, ele é herdeiro também de uma nobreza que lhe parece inerente.
Assim, eles são dotados de qualidades excepcionais que reúnem beleza,
inteligência, força, eloquência, coragem; tais atributos os tornam detentores
de um porte inigualável, fazendo com que sejam reconhecidos como nobres mesmo
em meio a uma multidão. Quando Ulisses se depara com seu pai Laertes,
trabalhando em situação deplorável – “ele usava um casaco sujo, vagabundo e
remendado” – comenta “Não há nada em ti que denote um escravo, nem a estatura
nem o aspecto: tens mais o ar de um rei”. Para acentuar a ascendência nobre do
herói, é comum o nome vir acompanhado de um aposto, que indique a sua
procedência paterna, detalhe importantíssimo para o reconhecimento de sua
ilustre genealogia. É importante ressaltar que, mesmo o herói sendo filho de
uma deusa, a predileção é sempre atribuída ao nome do pai mortal: Aquiles,
filho de Peleu ou ainda pélida Aquiles; Agamêmnon, filho de Atreu ou o átrida;
Eneias, filho de Anquises – os heróis de Homero têm a paternidade revelada com
distinção. Somente a Tersites, na Ilíada, não é dado saber o nome do
pai, o que é um sinal característico, revelando que, de fato, não pertencia ao
grupo de guerreiros aristocratas. Para Vidal-Naquet (2002), Tersites “é o eco,
desfavorável, da existência, diante dos áristoi, de classes sociais
menos gloriosas”.
As personagens do mundo homérico também não são, simplesmente,
citadas, contudo as acompanha uma série de epítetos decorativos, como, por
exemplo, o grande Heitor do capacete reluzente; o divino Aquiles de pés
ligeiros e semelhante aos deuses; Ulisses das mil astúcias; Agamêmnon, rei dos
homens. O uso de epítetos tornou-se parte dos detalhes de estilo e de estrutura
da epopeia. Sobre tal estilo, Jaeger (1995, p. 69) assim pondera: “Na nossa
grande epopeia, precedida de longa evolução dos cantos heroicos, estes
epítetos, com o uso, perderam a vitalidade, mas são impostos pela convenção do
estilo épico”.
Além do emprego dos epítetos, as descrições épicas estão sempre
envoltas em um tom ponderativo, enobrecedor e transfigurante (JAEGER, 1995),
tudo o que diz respeito ao mundo dos heróis deve ser tratado com uma linguagem
culta, rebuscada, cheia de lirismo metafórico. Homero louva e exalta o que no
mundo é digno de elogio e louvor. Existe mesmo uma retórica heroica que
preconizava e distinguia o discurso do herói, por isso, Homero, por vezes,
alterna o combate e o discurso. A linguagem culta é apreciada, dessa forma,
mostrando que os heróis são dotados de grande eloquência, ele é antes de tudo
um orador por excelência. Era um modo de diferenciá-los e deixar claro que
pertenciam a uma classe superior que se distingue não só pela ascendência, mas
também pela fala.
Tal é a solidez do modelo de Homero que até à modernidade suas
características ressoam significativamente, demonstrando que a sua poesia
alcançou uma universalidade humana que tornou a sua essência permanente. Sobre
isso, convém citar as oportunas palavras de Jaeger (1995, p. 65) “O fato de
Homero, o primeiro que entra na história da poesia grega, ter-se tornado o
mestre da humanidade inteira demonstra a capacidade única do povo grego para
chegar ao conhecimento e à formulação daquilo que une e move todos nós”.
Referências biográficas
Aldinéia Cardoso Arantes, doutoranda em História pela Universidade
Estadual de Maringá.
Referências bibliográficas
AGUIAR E SILVA, Vitor Manuel. Teoria e Metodologia Literárias.
Lisboa: Universidade Aberta, 1990.
HOMERO. Odisséia. Tradução de Frederico Lourenço. Lisboa: Cotovia,
2003.
_____. Ilíada. Tradução de Frederico Lourenço. Lisboa: Cotovia,
2005.
JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego. Ed. Martins
Fontes, São Paulo, 1995.
MOSSÉ, Claude. A Grécia Arcaica de Homero a Ésquilo. Lisboa:
Edições 70, 1984.
VIDAL-NAQUET, Pierre. O mundo de Homero. Tradução Jônatas Batista
Neto. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
Bom dia Andinéia e parabéns pela análise riquíssima de Homero. Chamou minha a atenção à noção de um herói político que tem em vista a coletividade. Em seu texto você comenta sobre como a glória e os resultados eram focados em interesses coletivos, porém também ressalta a diferença entre o homem de alta classe nobre e o homem comum. Meu questionamento é sobre esse “bem coletivo”, “reconhecimento” e a subordinação do individual à totalidade procurada pelos heróis, eram apenas no ideal grego de nobreza ou a totalidade coletiva era incluía também o homem comum até mesmo suas conquistas eram conquista para a aristocracia ou para o povo comum? Um herói para alcançar a gloria devia ser exaltado pelos seus pares nobres ou procurava também amor e apelo do povo comum?
ResponderExcluirTiago Rezende Lopes
Prezado, Tiago, agradeço pela leitura do meu texto e pela sua contribuição através da pergunta tão pertinente: tanto na história quanto na literatura, são raros os registros sobre o homem comum e quando feitos são feitos pelo nobre. A própria noção de heroísmo não existe fora da nobreza e o herói é sempre o nobre. Quando pensamos na literatura antiga, em especial em Homero, temos o registro do modo de vida idealizado por uma aristocracia. Assim, temos a falsa ideia de que essa noção de heroísmo é homogênea, como se os anseios da nobreza fossem comuns a todos. A epopeia, por exemplo, é um poema de nobres para nobres, portanto há escassos vestígios de como o homem comum se relacionava com esse herói. Assim, o retrato dos populares, na literatura, é sempre feito de maneira caricata e estão sempre à sombra dos heróis da nobreza, mas nunca como protagonistas da sua própria história, como a ama, o cozinheiro, o porqueiro, o mensageiro, o liberto. Na narrativa, é possível entender que o povo tem apreço por esse herói e que ele torna-se conhecido e reconhecido pelo povo também, por conta, principalmente, do poder político, econômico e social. As conquistas realizadas pelo herói visavam sempre a um bem coletivo, porém a coletividade se parece muito mais com a aristocracia, cuja representação é evidenciada no poema épico, do que com o povo comum, muitas vezes, invisível na narrativa.
ExcluirAldinéia Cardoso Arantes
Olá professora Aldinéia, gostei muito da abordagem tida no seu texto a cerca dessa relação dos "arquétipos" dos heróis que serviam como exemplo moral e ético na formação educacional Gregos, com foco privilegiado nos aristocratas, minha pergunta é sobre essa noção de "superioridade", que os nobres tinham sobre as classes "inferiores" na perspectiva e mentalidade da época deles, essa noção era legitimada com base nesses arquétipos de heróis, ja que como dito no texto "Entende-se que a representação do mundo heroico nas grandes obras refletia o mundo aristocrático da Grécia primitiva" que inclusive era a grande audiência dessas narrativas?
ResponderExcluirArlindo Raí Silva Viegas França
Prezado, Arlindo, grata pela leitura do meu texto.
ExcluirA educação dos gregos era com base no exemplo e os poetas eram considerados os grandes educadores. Homero foi considerado por Platão como o educador de toda a Grécia. Assim, podemos considerar os seus poemas como um modelo de conduta moral para aqueles que tinham condições de seguir esses modelos, isso implicava possuir ascendência nobre, uma vez que todos os heróis retratados na poesia épica são reis/rainhas ou príncipes/princesas. Na Iliada, o herói é sempre um nobre guerreiro e semideus; necessariamente, o herói deveria assumir características que o elevavam acima dos mortais “comuns”. No que concerne à literatura antiga, não há personagens oriundos do povo comum (subalternos e populares) representados como protagonistas na narrativa, porque era inconcebível a representação do cotidiano do homem comum, desprovido de poder econômico e sem estirpe. Todo o grande poeta deveria se preocupar em retratar o passado mitológico longínquo, portanto, os temas considerados elevados envolviam os grandes heróis mitológicos, as histórias de guerras, formação de povos e cidades. Os poemas épicos reforçavam e validavam o modo de vida da aristocracia que se reconhecia na conduta desses grandes heróis. São poucos e raros os vestígios da relação desses nobres com os populares. Na Iliada, temos no canto II a aparição de um soldado raso Tersites (o homem mais feio que fora a Ilion, segundo Homero) que ousou falar algumas verdades para Agamemnon durante uma assembleia e foi duramente castigado por Odisseu; em seguida, Aquiles profere basicamente as mesmas palavras e não sofre repreensão tão severa. Enfim, como não temos o testemunho dessas classes inferiores e quando se apresentam na narrativa é sempre sob uma única perspectiva: a da nobreza. Não temos uma obra escrita por um soldado raso ou uma ama, mas foi um membro das elites que fez uma representação desse soldado e dessa ama.
Aldinéia Cardoso Arantes
Olá Aldineia,
ResponderExcluirTexto muito interessante e com resumo estratégico da questão do heroi homérico. De que maneira podemos pensar a articulação de Homero com outras textos literários gregos, pro exemplo, sátira, comédia e tragédia?
Prezado Ricardo, obrigada pela leitura do meu texto.
ExcluirOs poemas homéricos são a nossa fonte histórica e também a primeira manifestação literária conhecida na cultura ocidental. Homero inaugurou um gênero literário e forjou um modelo, todos aqueles que se dispusessem a escrever poesia épica deviam, necessariamente, imitar Homero, sob pena de receber severas críticas, como aconteceu com Lucano (I d. C). Homero não só inaugurou um gênero, mas também tornou-se protótipo na construção de personagens, principalmente, no que concerne a representação de heróis e heroínas. É muito profícuo observarmos como essa influência se deu em outros gêneros, como você citou a sátira, comédia e tragédia... Podemos pensar em que momento e de que modo esses gêneros se aproximam e se afastam dos preceitos homéricos na construção de personagens (homens, mulheres, crianças, deuses (as), nobres, populares), tempo (passado absoluto, presente em mutação), espaço (campo de batalha, palácios, ruas, prostíbulos, fórum); ponto de vista do narrador (primeira ou terceira pessoa). Ainda podemos pensar, quando possível, nos autores e suas motivações ao compor o texto. Particularmente, minha pesquisa, no doutorado, é direcionada ao romance antigo grego e latino e como a percepção de heroísmo vai mudando de acordo com o momento histórico e como isso reflete em um processo de humanização do herói e a progressiva aproximação da realidade.
Olá Aldineia,
ResponderExcluirTexto muito interessante e com resumo estratégico da questão do heroi homérico. De que maneira podemos pensar a articulação de Homero com outras textos literários gregos, pro exemplo, sátira, comédia e tragédia?
Prezado Ricardo, obrigada pela leitura do meu texto.
ExcluirOs poemas homéricos são a nossa fonte histórica e também a primeira manifestação literária conhecida na cultura ocidental. Homero inaugurou um gênero literário e forjou um modelo, todos aqueles que se dispusessem a escrever poesia épica deviam, necessariamente, imitar Homero, sob pena de receber severas críticas, como aconteceu com Lucano (I d. C). Homero não só inaugurou um gênero, mas também tornou-se protótipo na construção de personagens, principalmente, no que concerne a representação de heróis e heroínas. É muito profícuo observarmos como essa influência se deu em outros gêneros, como você citou a sátira, comédia e tragédia... Podemos pensar em que momento e de que modo esses gêneros se aproximam e se afastam dos preceitos homéricos na construção de personagens (homens, mulheres, crianças, deuses (as), nobres, populares), tempo (passado absoluto, presente em mutação), espaço (campo de batalha, palácios, ruas, prostíbulos, fórum); ponto de vista do narrador (primeira ou terceira pessoa). Ainda podemos pensar, quando possível, nos autores e suas motivações ao compor o texto. Particularmente, minha pesquisa, no doutorado, é direcionada ao romance antigo grego e latino e como a percepção de heroísmo vai mudando de acordo com o momento histórico e como isso reflete em um processo de humanização do herói e a progressiva aproximação da realidade.
Aldinéia Cardoso Arantes
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ResponderExcluirOlá Aldinéia!
ResponderExcluirPrimeiro gostaria de elogiar a escolha do tema e a abordagem. Os textos homéricos são de fato muito interessantes. Como professor de História de 6° ano e de Ensino Médio, vejo que a Ilíada e a Odisseia são pontos de abertura para a compreensão de sociabilidades que acompanham as sociedades ocidentais desde a Antiguidade. Em minhas aulas, gosto de apresentar relações entre os arquétipos heroicos homéricos e os contemporâneos. Em dado momento do texto, você apresenta uma passagem do texto de Aguiar E Silva (1990, p. 258), onde se lê: "
“O conceito de herói está estreitamente ligado aos códigos culturais, éticos e ideológicos, dominantes numa determinada época histórica e numa determinada sociedade. Em dados contextos socioculturais, o escritor cria os seus heróis na aceitação perfeita daqueles códigos: o herói espelha os ideais de uma comunidade ou de uma classe social, encarnando os padrões morais e ideológicos que essa comunidade ou classe valorizam.” Nesse sentido, vejo que a estratégia didática de relacionar os heróis homéricos (patriarcais, nobres, descendentes de divindades) com os contemporâneos (negros, como no caso de Pantera Negra; femininos, como no caso da Mulher Maravilha; de origem simples, como no caso do Homem Aranha) apresentam oportunidades de demarcar certas mudanças do ocidente, bem como das continuidades. As interpretações dos processos de longa e curta duração também são possíveis de se abordar a partir dessa temática. Deixo aqui minha colaboração através deste comentário e, por fim, fica apenas uma pergunta (muito simples): você acha que estas aproximações entre os arquétipos heroicos é válida ou os riscos (especialmente o do anacronismo) não compensam o esforço?
Prezado, Douglas, grata pela leitura do meu texto e pelas suas contribuições.
ExcluirCom certeza, considero válidas e necessárias essas aproximações porque desde Homero temos uma manutenção de um modelo de heroísmo pautado exclusivamente nas elites de todos os tempos. E pensarmos onde está o testemunho dos marginalizados na história e na literatura? Longe de ser um anacronismo, há uma continuidade em que uma elite dominante sempre impõe a sua verdade, o seu modo de falar, de pensar, de agir. Questionar esses modelos e padrões é muito necessário justamente para desconstruí-los, quando necessário. É muito interessante essa comparação com os heróis da atualidade e os heróis em Homero, embora haja ainda muito mais semelhanças que diferenças, pois continuamos a pensar no herói sempre sobre-humano. O herói desde Homero vem pra defender a verdade de uma elite (príncipes, princesas, reis, rainhas, cavaleiros, burgueses), pensar em como esse padrão vem se rompendo na atualidade (e por que demorou tanto) é muito profícuo.
Há um interesse na manutenção desse sistema em que as vozes dos subalternos e populares são anuladas e esvaziadas e onde se aceita a verdade de uma elite como sendo homogênea e universal, como se sua cultura, sua forma de se expressar, fosse muito mais culta e avançada e, portanto, eles são os civilizadores e, por fim, criadores de saberes e boa cultura.
Aldinéia Cardoso Arantes
Prezado, Douglas, grata pela leitura do meu texto e pelas suas contribuições.
ResponderExcluirCom certeza, considero válidas e necessárias essas aproximações porque desde Homero temos uma manutenção de um modelo de heroísmo pautado exclusivamente nas elites de todos os tempos. E pensarmos onde está o testemunho dos marginalizados na história e na literatura? Longe de ser um anacronismo, há uma continuidade em que uma elite dominante sempre impõe a sua verdade, o seu modo de falar, de pensar, de agir. Questionar esses modelos e padrões é muito necessário justamente para desconstruí-los, quando necessário. É muito interessante essa comparação com os heróis da atualidade e os heróis em Homero, embora haja ainda muito mais semelhanças que diferenças, pois continuamos a pensar no herói sempre sobre-humano. O herói desde Homero vem pra defender a verdade de uma elite (príncipes, princesas, reis, rainhas, cavaleiros, burgueses), pensar em como esse padrão vem se rompendo na atualidade (e por que demorou tanto) é muito profícuo.
Há um interesse na manutenção desse sistema em que as vozes dos subalternos e populares são anuladas e esvaziadas e onde se aceita a verdade de uma elite como sendo homogênea e universal, como se sua cultura, sua forma de se expressar, fosse muito mais culta e avançada e, portanto, eles são os civilizadores e, por fim, criadores de saberes e boa cultura.
Aldinéia Cardoso Arantes
Bom dia Andinéia, Parabéns pela análise riquíssima de Homero. Gostaria de fazer um questionamento; Quais são os distanciamentos e permanências da poesia Homérica no mundo contemporâneo? Ass. CAMYLLA ARAUJO ALVES Graduanda de História na UEG-Universidade Estadual de Goiás
ResponderExcluirOlá, sempre defenddi a inserção da literatura no estudo de História, não pelo que é factual, mas pelo Espírito" da época e pelo contexto latente que se "aspira" na narrativa, ainda que alguns historiadores profissionais desaprovem, seu artigo mostra quanta riqueza pode se extrair das relações aristocráticas desde Homero e que possui modus operandi semelhante, parabéns pelo excelente artigo! E te perguntaria: até que ponto a filosofia Nietzscheana absorveu e renovou ou reforçou a hierarquização do poder na sociedade?
ResponderExcluirOlá Aldinéia!
ResponderExcluirExcelente trabalho, com base no fragmento: (Entende-se, desse modo, que o herói é um elemento criado segundo padrões concebidos por uma determinada tradição, cujos preceitos são estabelecidos por uma elite dominante.) Qual o seu pensamento sobre a transformação de atletas esportivos em heróis?