Savio Queiroz Lima

 

A INSERÇÃO DE DEBATES SOBRE RAÇA E GÊNERO NOS ESTUDOS PALEOANTROPOLÓGICOS E SEU USO EM SALA DE AULA


 

 

Introdução

Na prática de ensino de História, a depender da carga de assuntos e da etapa da educação no Brasil, o tempo parece correr em demasia. A professora e/ou o professor se deparam com um exercício pedagógico exaustivo e denso, tornando o material didático e suas conexões a própria rede de apoio no seu exercício de ensino. Confiar neste material é um risco amenizado pelas constantes vigilâncias dos pares, compartilhando as críticas pertinentes e qualificando esse ensino. Entretanto, essa dinâmica nem sempre é estabelecida em tempo hábil, permitindo que alguns temas continuem a existir através de reduções discursivas que empobrecem a sua utilidade para as novas demandas educacionais.

 

O proposto exercício intelectual textual tem por objetivo fazer a criticidade no ensino de Pré-História no Brasil. Justamente por conta de toda uma dinâmica trabalhista e de uso do tempo para o profissional de educação, seu encurtamento e suas exigências, o texto pretende-se afinar a crítica sobre o período comumente nomeado de “Pré-História” e os pontos pertinentes a serem tratados sobre tal contexto histórico diante dos avanços mais recentes da paleoantropologia e paleoarqueologia. São críticas objetivas sobre as questões que envolvem os debates sobre gênero e raça, e como tal conjunto reflexivo pode garantir ampliações nos saberes e conectivos inteligíveis com outros temas.

 

Este texto sintetiza pesquisa que vem sendo produzida sobre o tema “Pré-História” e a possibilidade de revisão e atualização. Como fruto de trabalho de sala de aula ocorrido em 2019, gerou dois artigos que foram publicados em eventos de História em 2020, que são as bases estruturais do diálogo aqui proposto. O primeiro dos artigos foi publicado nos anais da ANPUH-BA com o título “Assim Caminha a Humanidade: A ‘Pré-História’ no Livro Didático e a Crítica Atualizada sobre Paleo-História e Paleoantropologia”; o segundo foi publicado nos anais da ANPUH-PR com o título “Paleoarqueologia e Educação no Brasil: Riscos e Descasos da Atualidade no Ensino da “Pré-História” no Brasil”. Ambos os artigos, publicados e acessíveis, tratam das muitas temáticas que perpassam demandas e saberes da contemporaneidade, através do uso das renovações analíticas e discursivas da área.

 

Para atender às exigências dos temas transversais, tão pertinentes às questões de direitos humanos e de avanços sociais, a sua atualização se faz primordial. Os estudos sobre paleolítico e neolítico se ampliaram com as possibilidades interdisciplinares, tanto com os campos tecnológicos e técnicos para uma abordagem mais precisa dos dados físicos, quanto com os campos investigativos das análises dos vestígios das experiências humanas. Os artigos mencionados introduzem a crítica construtiva de saberes novos sobre o campo científico nas relações com os vestígios materiais humanos e as concepções possíveis pelos avanços dos conhecimentos, unindo tão longínquo passado com o presente (GOSDEN, 2019, p. 137).

 

Seguindo a premissa das produções supracitadas e adequando para um texto mais objetivo e prático, o debate se faz em dois pontos já especificados. Primeiro no que diz respeito aos Estudos de Gênero e o quão pertinentes se fazem diante de uma realidade social que fora bombardeada de invencionices reacionárias, promovendo a persistência de sexismos e outras violências, em acordo com as aplicações dos Temas Transversais. O segundo ponto diz respeito à lei 10.639, circunstancialmente antirracista e de visibilidade de uma História da África e de seus descendentes na diáspora do tráfico de escravizados da África ao Brasil. Tais pontos de extrema importância nos combates ao machismo e ao racismo no país podem ser iniciados justamente no período chamado “Pré-História”.

 

Através de análises dos materiais didáticos já previamente trabalhados, o exercício alvitrado se faz na dinâmica professor-orientador para a fomentação de um aluno-pesquisador. Se pensar como são construídos os saberes e como eles são transformados e adequados às novas descobertas, novas questões, evoluções técnicas e ampliações dos debates, em tudo feito com o intento de construir uma sociedade mais justa e mais condizente com os direitos humanos e com a justiça social.

 

Se viemos da África, qual nossa cor?

Muitos saberes sobre a constituição evolutiva humana remetem aos vestígios achados na África e as mais recentes teorizações sobre a origem do ser humano. Durante o exercício pedagógico que propus aos alunos dos cursos de ensino superior da Universidade Federal da Bahia (UFBA), nas turmas da disciplina História da Cultura 1, que ministrei em 2019, vimos o quanto que os livros didáticos perpetuam algumas imprecisões sobre o período chamado ‘Pré-História”. Se o próprio conceito de “Pré-História” coloca as questões de escrita dentro das expectativas etnocêntricas de uma arqueologia europeia (LIMA, 2020a, p. 6), quiçá os tantos detalhes que são apresentados sobre esse passado nos registros arqueológicos e antropológicos desde o século XIX e a sua persistência nos livros didáticos.

 

A questão racial por muito tempo ficou agrilhoada ao tráfico de escravizados da África, causando uma naturalização do corpo negro à realidade da escravidão. Como se a limitada presença negra estivesse enraizada no processo histórico da diáspora de mulheres e homens cativos, enviados às Américas. A repetição de tal ideário visual alimenta a normalização dessa herança, vinculando a condição de negro à condição de escravizado ou de ex-escravizado. A lei 10.639, a mais de dez anos de existência, busca equalizar os caminhos da educação no Brasil, para torná-la um instrumento combativo ao racismo e às discriminações de seu entorno. Com isso, foi preciso ampliar os saberes sobre as heranças negras, as culturas, as raízes de elementos estruturantes do Brasil, sanar os malefícios causados por ideologias racistas que buscavam perpetuar o sistema escravista e a desigualdade a partir da raça enquanto estrutura sociológica (MUNANGA, 2005, p. 16).

 

Nos livros didáticos, numa espécie de hereditariedade dos discursos e das representações, a desconstrução dos limites dessa presença negra se fez a árduos passos. A comum infelicidade dos primórdios dos escritos didáticos de História foi de inserção do debate racial na História do Brasil em sua estrutura temática no período representado durante o processo de tráfico de africanos escravizados. Noutros momentos é possível, diante de certo avanço analítico e pedagógico, que a questão racial seja viável na História do Egito Antigo, e até mesmo de outros países africanos, com certa restringência. Os movimentos negros perceberam essas limitações e atuaram com constância entre as décadas de 1970 e 1980. Isso fez com que ocorrências de ilustrações de negras e negros nos livros didáticos se tornassem uma persistência, sendo “um grande passo para a construção/reconstrução da identidade étnico-racial e social da criança negra, bem como para o respeito, reconhecimento e interação com as outras raças/etnias” (SILVA, 2011, p. 98). Tal presença precisa ser pensada, também, enquanto epicentro de debate para a efetiva desconstrução do racismo nos alicerces do conhecimento, usando as estruturas de aprendizado para a construção de uma cidadania antirracista.

 

A questão racial na Paleo-História (como chamaremos a “Pré-História” a partir deste momento em texto) é ampla e sensível. Diante das ameaças constantes de revisionismos e negacionismos, muitos deles em sincronia com o racismo em reacionarismos (LIMA, 2020b, p. 3), as camadas de História não-branca são ameaçadas por ideologias e políticas de seletividade, ou melhor, de necropolíticas (MBEMBE, 2016, p. 125). As origens africanas, as possibilidades de leituras dos vestígios de nossos primeiros antepassados, sua expansão no planeta e até mesmo suas migrações e ocupações nas américas tendem a ser questionadas ou depreciadas por uma política de aversão às heranças indígenas e negras no Brasil (LIMA, 2020b). Silenciar tais saberes, a diversidade humana em tais processos, estimulam uma inferiorização tácita de tais populações na contemporaneidade. Se a imagem do passado mais remoto é de um protagonismo isolado e especial de figuras brancas nas páginas dos livros didáticos, comungamos com os intérpretes racistas do século XIX, pela cientifização das práticas discriminatórias (CARNEIRO, 2011, p. 16).

 

Avaliando os livros didáticos em busca dessas permanências e mudanças nas representações, algumas colocações são pertinentes. Na avaliação mais criteriosa, é possível criticar a persistência nas ilustrações da figura humana descrita pelo fenótipo branco, uma “supremacia branca” (LIMA, 2020a, p. 6) que legitima a hierarquia racial do progresso. A intenção de questionar essas representações está na lógica de que “renovar os debates e ensinos sobre Paleo-História permite reaver a visibilidade dos povos nativos e o combate ao racismo” (LIMA, 2020b, p. 10). Ainda que não possamos afirmar com exatidão as cores de peles de nossos antepassados, a própria historicidade e eco-geografia nos sugerem o oposto da representação caucasiana, ou, no mais basilar dos argumentos, de seu exclusivismo ou hegemonia. Fragilizar a hierarquia e o essencialismo racial tem por fruto o confronto direto com o racismo estrutural (ALMEIDA, 2018, p. 30) para responder demandas sociais da realidade brasileira contemporânea e sintonizar com os mais avançados procedimentos analíticos da paleoarqueologia.

 

A criticidade sobre o material didático deve ser uma constância da professora e do professor. Parte de sua orientação deve ser a de inquerir os elementos da realidade e pensar o quanto que os mesmos sintonizam ou não com as lutas sociais mais importantes e com os saberes possíveis das áreas afins. Deste modo, ao analisar a Paleo-História, buscando as representações dos seres humanos desde a evolução da espécie até as ilustrações dos seus cotidianos, pensando os lugares raciais que se apresentam em tais imagens, o debate crítico sobre visibilidade histórica é crucial. Não deve haver, assim, restrição para o debate sobre racismo em sala ao se construir um saber mais complexo sobre o passado humano sem a branquitude por padrão hegemônico e sua representação exclusiva.

 

A pessoa educadora pode orientar o debate sobre as representações através do apelo pela diversidade. Demonstrando que toda variedade fenotípica foi a adequação genômica e fenotípica do corpo humano aos cenários climáticos e geográficos da própria expansão humana. A revolução comportamental e seu reflexo na cultura possibilitaram tal diversidade de indivíduos a existir para além dos limites das forças da natureza. O corpo humano moderno, que nos iguala enquanto espécie, já estava definido quando ocorreu o “despertar” da cultura, essa revolução seminal (KLEIN; EDGAR, 2005, p. 224), nos diferenciando através das exigências dos espaços em que ocupamos antes mesmo que fundássemos a linguagem para tecer sobre essas diferenças as desigualdades sociais.

 

E as Mulheres das Cavernas?

No caso de gênero, os condicionantes perpassam as representações e interferem até mesmo na linguagem. Jargões científicos do século XIX persistem até os dias atuais, muitas vezes alimentados por uma apropriação popular de tais termos e até mesmo pelo seu uso nas produções narrativas ficcionais de entretenimento. É evidente a herança de uma ciência masculina do século XIX na persistência do termo “homem” enquanto genérico. A pessoa professora-orientadora tem a oportunidade de debate sobre uma farta repetição do genérico naturalizado e essencializado: “Homem das Cavernas”, “Homem de Neandertal”, “Homem de Cro-Magnon”, “Evolução do Homem”, dentre tantos outros.

 

A operação promovida pela literatura científica do século XIX não apenas denuncia seu sexismo, mas também a ideia equivocada de progresso linear na evolução. A sociedade conservadora patriarcal da Europa e das Américas demonstrou dada misoginia através das ressignificações da imagem feminina ou sua ausência nas artes, mas foi na área médica onde essa inferiorização ganhou adornos de verdade científica. Não apenas na concepção de “buscar o feminino no patológico” (DOTTIN-ORSINI, 1996, p. 234), mas, o mais importante, de negar-lhe a participação da existência social suficientemente significativa. Para homens misóginos do século XIX, os donos das vozes e dos saberes, “a mulher era, realmente, um macaco, pois só tinha capacidade de imitação” (DOTTIN-ORSINI, 1996, p. 200), logo não poderia figurar por inúmeras razões como central na nomenclatura ou nas imagens sobre o nascedouro da humanidade.

 

A imagem padronizada da própria evolução humana é de uma transição de pequenos macacos a um homem, não uma mulher. A chamada imagem da “Marcha da Evolução do Homem”, já canonizada e simplificada (LIMA, 2020a, p. 4) enquanto símbolo do processo de evolução física dos seres humanos, existe de ilustrações explicativas de livros do século XIX a memes viralizados em redes sociais virtuais do século XXI. A leitura crítica dessa imagem não apenas possibilita “desconstruir a famigerada marcha do progresso” (LIMA, 2020b, p. 7), através da mais eficiente leitura da teoria evolutiva dos seres vivos, mas, também, questionar a normalização dessa imagem ser exclusivamente apresentada com a supremacia de uma figura masculina e branca.

 

Fonte (imagem adaptada com destaque): imagem de título March of Progress,

 Integrante do livro Early Man, de Francis Clark Howell, de 1965.

 

A invisibilidade das mulheres na Paleo-História é mais fruto de um apagamento masculino na arqueologia que nas ausências de vestígios. Se os pétreos ossos de nossos antepassados podem marcar suas identidades de gênero, temos a antiquíssima Lucy, nem tão humana, e a quase contemporânea e conterrânea Luzia, ambas evidenciando a presença oculta das mulheres desses passados. Já bastante presentes em livros didáticos mais recentes, poderiam substituir com dada facilidade as figuras masculinas nas marchas da evolução se as mesmas marchas não fossem equívocas ideias lineares e progressistas. De todo modo, já não podemos tomá-las, as fêmeas, através de invisibilidade ou mesmo secundarizadas.

 

Convém esclarecer, dentro dos estudos de gênero, como a subjetividade humana emprega sobre os sexos as estruturas comportamentais e socioculturais. Se gênero se reflete em procedimentos de caça nas ilustrações dos livros didáticos, por exemplo, os vestígios que nos dispomos de instrumentos manufaturados pelos humanos ou seus “lixos alimentares”, restos animais, nos guiam a entender as caçadas, mas não definir seus caçadores. Mesmo trabalhos mais basilares e introdutórios sobre a Paleo-História já confirmam o debate sobre gênero, pertinente para os temas transversais ao ensino de História no Brasil, como o de Chris Gosden, ao explicar a relação sexo e gênero a seguir: “afirmar que todas as pessoas fazem distinções de gênero não significa afirmar que todas as pessoas fazem as mesmas distinções”, definindo gênero como o “uso cultural que as pessoas fazem das distinções biológicas de sexo” (GOSDEN, 2019, p. 114).

 

Se pensarmos as atividades humanas dentro de estudos etnográficos e antropológicos, veremos uma diversidade evidente. Racionalizando a própria temporalidade e as transformações por interferências diversas de encontros entre culturas, os passados paleolítico e neolítico abarcam “uma época de fluidez social” (GOSDEN, 2019, p. 116) muito maior, logo, menos rígida nas relações entre os gêneros. Desta maneira, “no passado remoto, não há forma segura de vislumbrar os gêneros”, entendendo-os como princípios culturais construídos, “podemos ver, e inferir, machos e fêmeas como entidades biológicas, mas as funções que desempenharam permanecem em grande medida invisíveis” (SOFFER; ADOVASIO; PAGE, 2009, p. 37). A concepção prévia de homens caçando e mulheres domesticadas remete a um imaginário muito mais recente, dentro de uma demanda interpretativa de patriarcalismo efetivo.

 

Se muitos homens foram importantes na estruturação da disciplina paleoarqueologia, hoje podemos assistir a ascensão de pesquisadoras mulheres. Passamos dos senhores pesquisadores de montículos, no século XIX (ADOVASIO; PAGE, 2011, p. 36), às inovadoras e aguerridas senhoras de grandiosidades manifestas (SOFFER; ADOVASIO; PAGE, 2009, p. 285). Vejamos uma lista: Kathy Schick (KLEIN; EDGAR, 2005, p.110), Olga Soffer (ADOVASIO; PAGE, 2011, p. 75), Ma´ama Goren Imbar (KLEIN; EDGAR, 2005, p. 129), Mary Leakey (ADOVASIO; PAGE, 2011, p. 182), Alison Brooks (KLEIN; EDGAR, 2005, p. 131), Ruth Gruhn (ADOVASIO; PAGE, 2011, p. 254), Rebecca L. Cann (ADOVASIO; PAGE, 2011, p. 298), dentre outras. Essa miríade feminina promoveu uma ampliação dos saberes ao inserir novos e importantes questionamentos.

 

E no uso didático dessa representatividade e visibilidade, já temos algumas práticas bem-sucedidas. Seja no acréscimo da palavra “mulher” no título de um subcapítulo em livro didático de 2002 (LIMA, 2020a, p. 6), ou mesmo na presença ilustre da pesquisadora Niède Guidon em outro material analisado em investigação anterior (Ibdem, p. 7). A paleoarqueóloga se destaca pela sua aguerrida postura não apenas no embate teórico dentro do campo científico, defendendo uma antiguidade ainda maior da presença dos seres humanos nas Américas, mas, também, na militância política da valorização da paleoarqueologia no Brasil (LIMA, 2020b, p. 4). Não há como pensar a descoberta da Luzia, a mais antiga ossatura humana da América do Sul, sem a paleoarqueóloga Annette Laming-Emperaire. A importância dessas biografias é latente para a contemplação de uma equidade de gênero, da valorização da mulher, e atende ao tema transversal de uma História das Mulheres.

 

Conclusão

Todos os debates possíveis que cruzam os temas transversais aqui eleitos, raça e gênero, contribuem para a desconstrução das suas específicas opressões, racismo e machismo. Dentre a miríade de ações afirmativas no ambiente educacional, da pontualidade seletiva da disciplina de História, ainda podemos elaborar amplitudes inteligentes nos conectivos entre os temas, ainda que a convenção histórica escolhida pareça, numa primeira e rápida impressão, distante de assuntos tão contemporâneos. Como ponto inicial, já deslegitimamos a naturalização dessas ausências.

 

Tratar destes temas na Paleo-História é afirmar, categoricamente, baseando-se em evidências e abordagens atualizadas, que machismo e racismo são construídos. São frutos de uma longa estrada de construção social que desagua em silenciamentos e repetições que contribuem para invisibilizações tanto das representações quanto dos debates. Tratar de importantes temas é combater os malefícios sociais em cada camada possível de construção do saber, em objetivos exercícios de prática discursiva amparados aos discursos científicos na área. A dinâmica proposta neste trabalho argumentativo, para o objetivo auxílio à professora e ao professor na área de História, sintoniza com a atualização do conteúdo disciplinar para possibilidade de uso mais eficiente e concomitante com as expectativas pedagógicas sobre os temas transversais.

 

É preciso romper com as persistentes e remanescentes ausências conscientes e inconscientes sobre raça e gênero no debate sobre a Paleo-História. Se muito já se promoveu para romper com limitações representativas e conceituais produzidas especialmente pelo euro-ocidente do século XIX, dentro das ciências humanas ainda existem fragmentos defasados desses imaginários. Dois pontos que ainda persistem em nossa sociedade dizem respeitos às hierarquias e opressões que envolvem os lugares de existência de raça e gênero, portanto, onde convém aplicar a devida atenção. Como vimos, desde o período comumente chamado de “Pré-História” é possível se fomentar debates que envolvam as duas categorias socio-analíticas.

 

Os debates sobre raça e gênero na Paleo-História produzem o mais eficiente conectivo entre o distante passado e a contemporaneidade através do conhecimento útil. A negação ao racialismo científico afastou o fantasma da escravidão, mas deixou os vestígios fantasmagóricos do racismo, exigindo um aguerrido trabalho de desconstrução das hierarquias raciais. As conquistas dos movimentos negros são indispensáveis, mas é preciso novos avanços para garantir a solidez das mesmas e alcanças novos patamares. No caso de gênero, pontualmente das representações femininas e de História das Mulheres, o procedimento se iguala, e as necessidades se assemelham, e os corpos constituídos pelo patriarcado com subalternos e inferiores são repensados através de uma negação coerente da naturalização das desigualdades.

 

Referências biográficas

Me. Savio Queiroz Lima, pesquisador do Laboratório de Estudos sobre a Transmissão e História Textual na Antiguidade e no Medievo (LETHAM-UFBA).

 

Referências bibliográficas

ADOVASIO, James M.; PAGE, Jake. Os Primeiros Americanos – Em Busca do Maior Mistério da Arqueologia. Rio de Janeiro: Editora Record, 2011.

 

ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural?. Belo Horizonte: Editora Letramento, 2018.

 

CARNEIRO, Sueli. Racismo, Sexismo e Desigualdade no Brasil. São Paulo: Editora Selo Negro, 2011.

 

DOTTIN-ORSINI, Mireille. A Mulher que Eles Chamavam Fatal – Textos e Imagens da Misoginia Fin-de-Siècle. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1996.

 

GOSDEN, Chris. Pré-Historia: Uma Breve Introdução. Tradução de Janaína Marcoantonio. Porto Alegre: Editora L&PM, 2019.

 

KLEIN, Richard G.; EDGAR, Blake. O Despertar da Cultura: A Polêmica Teoria sobre a Origem da Criatividade Humana. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 2005.

 

LIMA, Savio Queiroz. Assim Caminha a Humanidade: A “Pré-História” no Livro Didático e a Crítica Atualizada sobre Paleo-História e Paleoantropologia. In: Anais do X Encontro Estadual de História – Anpuh-BA. Uesb-Vitória da Conquista, 2020a. Disponível em:

https://www.encontro2020.bahia.anpuh.org/resources/anais/19/anpuh-ba-eeh2020/1603167121_ARQUIVO_67aba994c237ab4cc9229b5996216790.pdf?fbclid=IwAR2kOhNBT8Xb-BwjT6CgQVHtIlCSnkft8Ai90Jf3Jd3ebKO-G_EMu-nPoWI.

 

LIMA, Savio Queiroz. Paleoarqueologia e Educação no Brasil: Riscos e Descasos da Atualidade no Ensino de “Pré-História” Brasileira. In: Anais do XVII Encontro Regional de História da ANPUH-PR – II Encontro do ProfHistória/UEM – XXIV Semana de História/DHI-UEM. Maringá, nov. 2020b. Disponível em:

 https://www.encontro2020.pr.anpuh.org/resources/anais/24/anpuh-pr-erh2020/1611548116_ARQUIVO_7f6f9dbcb9a39275b997e9aca9045091.pdf.

 

MUNANGA, Kabenguele. Superando o Racismo na Escola. Brasília: Ministério da

Educação, 2005. Acessado em 23 de janeiro de 2021. Disponível em:

http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/racismo_escola.pdf.

 

SILVA, Ana Célia da. A Representação Social do Negro no Livro Didático: O que Mudou? Por que Mudou?. Salvador: EDUFBA, 2011.

 

SOFFER, Olga; ADOVASIO, James M.; PAGE, Jake. O Sexo Invisível – O Verdadeiro Papel da Mulher na Pré-História. Rio de Janeiro: Editora Record, 2009.


10 comentários:

  1. A abordagem desse texto em sala, como proposto, é de grande pertinência, já que professores (as) da educação básica ficam reféns dos conteúdos programáticos engendrados na grade do currículo, pelo fato de que, ao mesmo tempo em que ele precisa cumprir esse script, cabe também à esse professor(a) resgatar tais temáticas e problematizar o lugar e importância da discussão de gênero na sociedade desde uma Paleo-História e a visão deturpada e racista de raça, na qual, de forma bem velada nos livros didáticos, se naturaliza a condição do negro sob uma ótica de submissão e escravidão.
    Excelente texto.

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  2. Obrigado, Glenda! Quando ministrei a disciplina de paleoantropologia, junto com os debates com meus alunos, concluí tal necessidade. Por isso minha escolha. Obrigado pelas palavras!

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  3. Nossa Sávio, um texto muito instigante!

    Acho extremamente importante refletir estes atravessamentos de marcadores e de silenciamentos no corpo da nossa disciplina. A escrita da história precisa ser pensada, também, como espaço de crítica e onde se pode constatar leituras genderificadas e racializadas. Isso pode ser mais evidente para um manual do século XIX, por exemplo, mas tb precisa ser pensado no âmbito de nossas produções na contemporaneidade.

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    1. Obrigado, Daniel! Você foi cirúrgico em apontar como é mais fácil perceber essas leituras gentrificadas e racializadas no passado. Temos a sensação sempre de uma conquista de um lugar, mas que na verdade ainda é um processo.

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  4. Muito bom o seu texto, Sávio. Penso que será bastante pertinente seu uso nas disciplinas de estágio do ensino superior em História também. Usarei nas minhas referências das aulas. Vislumbrando possibilidades de pesquisa, com a ressalva de que não sou conhecedora do período histórico em questão, ocorreu-me duas perguntas: 1- a reflexão que fazemos sobre as relações de gênero ainda se baseia em um conceito que, embora inegavelmente pertinente, também tem por origem o Ocidente. Um exercício de deslocamento poderia ser rearticularmos este conceito a partir do continente africano? É possível para este período?; 2- seria possível lançar um olhar interseccional para este período?

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    1. Obrigado, Ediane, pelas palavras! Torço muito para que este texto possa ser útil em sala e, como ele não se encerra em si, possa estimular debates e abordagens. Justamente por isso é possível dialogar a crítica pós-colonial e decolonial com as abordagens sobre gênero. Com as influências estrangeiras e os estudos de uma antropologia de gênero e sexualidade nos países africanos (principalmente os que igualmente sofreram interferências ibéricas), o debate só tem a ganhar. Sua pergunta já me surge até como sugestão de caminho, o que já lhe agradeço! Sobre os olhares interseccionais, são mais que possíveis: São necessários. Pela razão simples de que é neste período que tendemos a construir uma relação entre sexo biológico, comportamento de gênero e ocupação numa produção e numa funcionalidade social. Questionar se eram as mulheres realmente que produziam cerâmica, cestaria e têxteis. Tudo isso interfere em quanto podemos assimilar das fontes, lendo-as com novas perguntas e menos com velhas certezas.

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  5. Esses assuntos são sempre muito discutidos em tabloides e redes sociais, mas sabemos que as leis não impedem a desconsideração de certas pessoas pela vida humana causando assim morte de negros por só abaixarem o braço, donas de casa sendo espancadas, mulheres sendo estupradas e recebendo a culpa e de homossexuais sendo espancados e mortos na rua, Tudo isso só mostra o quanto ser humano pode ser nocivo.
    Podemos dizer que o preconceito de hoje em dia são de pessoas que não aceitam a mudança criada nos últimos tempos, por não verem mulheres tendo independência e sim como donas de casas, os negros como cidadoas e sim como escravos. A visão criada por tanto tempo se tornou o principal dor de cabeça na época atual.
    Você acredita que um dia haverá Paz entre todos os seres humanos? Sabemos que o tempo Paleo-História foi onde já avia atos de preconceito, mas e certo dizer que isso só se tornou regra, mulheres submissa e negros serem escravos, quando a igreja tomou a frente?

    Sara Bianca Alves da Silva

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    1. Verdade, Sara! Temos uma longa estrada de problemas, mas grandes potencialidades de soluções. Talvez o estudo de gênero e sexualidade sobre a paleoantropologia (Pré-História) possa nos dizer ainda mais: Que nem sempre tudo foi assim, que nada disso é natural ou normal, e que podemos mudar constantemente (de preferência para o bem de todos). A paz, conceito humano, pensada na totalidade, pode ser construída. As subjetividades humanas são complexas construções, mas sempre muito possíveis, principalmente quando pensamos no quanto já conquistamos. Obviamente existem situações mais problemáticas que outras, onde os desafios podem nos guiar para um lugar mais glorioso ou nosso derradeiro fim. Se na paleohistória as coisas eram mais fluidas, pro bem e pro mal, e compreendemos como as desigualdades são frutos de construções subjetivas, então podem ser enfrentadas no mesmo campo do conhecimento e saber. Entretanto, os regimentos (as regras) sobre essas desigualdades estão atreladas em relações de política (Estado) e religião (modo de ver o mundo), que também podem se adequar aos compromissos mais justos. Como um trabalho de formiguinhas, podemos começar desde o ensino do mais longínquo passado, para entender que racismos e machismos não são coisas essenciais (nem justificáveis).

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  6. Excelente texto, Savio! A abordagem desse texto é de extrema relevância, justamente por evidenciar o quanto o silenciamento dessas questões no cotidiano escolar contribui para perpetuação do racismo e do machismo como formas de opressão cotidiana. Seu texto me trouxe uma grande inquietação, que com toda certeza irá me acompanhar durante minhas escolhas como professora, quanto a seleção de conteúdo, pensamento de currículo, pesquisa, enfim... Parabéns pelo texto!

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    1. Obrigado, Rafaela! Agradeço as palavras, produzi o texto buscando justamente o franco diálogo, fazendo ruído ao silenciamento que tratou. Que seja uma boa inquietação, que possibilite sua própria construção dessa dinâmica de ensino pensando os temas transversais! Abraço!

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